Alvo de debates acalorados nas últimas décadas, reavivados com a adesão ao regime de recuperação fiscal, a dívida do Estado do Rio Grande do Sul teve queda em termos reais (considerando o impacto da inflação elevada) ao longo de 2021. Mas atenção: a tendência é de que isso não se repita neste ano. A conta está longe de ser paga - e ainda vamos falar muito dela.
Os dados foram apresentados na manhã desta quinta-feira (9) pela Secretaria Estadual da Fazenda. Levando em conta a inflação acumulada em 2021 (medida pelo IPCA), houve redução de 3,9% no saldo devedor em dezembro de 2021, em comparação com o mesmo período de 2020. Em valores nominais (não corrigidos), o montante passou de R$ 81,3 bilhões para R$ 86 bilhões (5,8% de aumento).
A principal explicação para a queda real é o chamado Coeficiente de Atualização Monetária (CAM). Resumindo, o CAM incide sobre a dívida com a União (que representa 86% de tudo o que o Estado deve) e foi negativo até setembro de 2021 (pois a taxa de juros ficou abaixo da inflação).
— Isso levou a uma diminuição de R$ 479 milhões no débito, mas é bom lembrar que, a partir de setembro, o CAM voltou a ser positivo — diz o chefe da Divisão da Dívida Pública, Felipe Rodrigues da Silva.
Ou seja: é provável que no próximo relatório, que terá como base os números deste ano, não tenhamos nova redução desse tipo, baseada no CAM - a menos que as condições da economia se alterem.
A queda só não foi maior devido ao peso do câmbio (a variação do dólar se reflete na dívida externa) e porque o Estado seguiu sem pagar o que devia ao governo federal, em razão de uma liminar obtida na Justiça em 2017.
De lá para cá, houve algumas mudanças. A principal delas foi a adesão preliminar ao regime de recuperação fiscal, em janeiro de 2022. O acordo ainda precisa ser homologado pelo presidente da República, mas já surte efeitos.
Na prática, o governo estadual segue sem quitar o saldo principal da dívida com a União, cujas parcelas serão retomadas, gradativamente, a partir de 2023. Apesar disso, o resíduo que havia ficado para trás (no valor de R$ 16,4 bilhões, do período em que nada se pagou), foi refinanciado e já está sendo abatido em prestações mensais, com prazo de 30 anos.
A dívida continua sendo o principal desafio estrutural do Estado. Com o regime de recuperação, os pagamentos foram reprogramados, mas a conta só será encerrada - se tudo der certo - em 2048.
Limites de endividamento
Em 2021, pela primeira vez, a relação entre a dívida consolidada do Estado e a receita corrente líquida ficou abaixo de 200% - chegando a 183%, uma proporção ainda alta, mas dentro dos limites estabelecidos em uma resolução do Senado Federal. Parte disso se explica pelo avanço da arrecadação, devido, principalmente, ao impacto da inflação nas contas e às medidas de modernização da Receita Estadual.
Como surgiu a bola de neve
- A dívida do RS começou a sair do controle em 1970, quando o Estado entrou no mercado de capitais e passou a emitir títulos com correção monetária.
- Os papéis tiveram rápida aceitação no mercado, o que viabilizou obras. Mas, na década seguinte, veio à tona a explosão do endividamento. Os prazos expiraram, e o pagamento passou a ser adiado. Novos títulos foram emitidos para cobrir papéis vencidos (dívida para pagar dívida).
- A situação piorou, até que a União assumiu o passivo, dando início à realidade que temos hoje. Saiba mais clicando neste link.
Quanto já se pagou à União
Em 1998, ao assinar o acordo com a União, o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (equivalente a em torno de R$ 60 bilhões em valores corrigidos) em 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI. Com o passar do tempo, o indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Em renegociação recente, o governo conseguiu revisar as regras do contrato, mas, mesmo assim, em dezembro de 2020 (dado do último relatório oficial sobre o tema, divulgado em 2021), depois de ter repassado mais de R$ 35 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 69,1 bilhões aos cofres federais. Por conta disso, há setores que questionam o pagamento e exigem auditoria da dívida.