Vem da Associação de Amigos da Biblioteca Pública do Estado, uma notícia - em primeira mão - para aquecer os corações dos leitores apaixonados por Mario Quintana, nosso poeta maior.
Ao analisar o acervo comprado de uma importante família gaúcha, o livreiro George Augusto, veterano no mercado, encontrou uma preciosidade: dentro de um livro do próprio Quintana (foto abaixo), havia uma folha de papel já amarelada. Para a surpresa de todos, eram versos inéditos do escritor gaúcho, redigidos à mão, que agora pertencem à entidade.
— A letra já foi periciada e confirmamos a autoria. É uma poesia que não está em nenhuma publicação formal. Essa descoberta tem impacto nacional e nos dá uma alegria muito grande — destaca o presidente da associação, Gilberto Schwartsmann.
Intitulado Canção do primeiro do ano, o texto é datado de 1º de janeiro de 1941 e faz alusão ao início de um novo período - com suas horas “raparigas”, que “cantam cantigas”, lirismo típico do célebre escriba.
Em breve, a doação do material será formalizada à biblioteca do Estado em uma cerimônia oficial. A intenção, depois disso, é deixar a relíquia exposta por uma temporada na Casa de Cultura Mario Quintana, na Capital, onde o autor viveu entre 1968 e 1980.
O local preserva, até hoje, uma réplica do quarto outrora ocupado pelo mestre, que - esteja onde estiver - merece todo o nosso reconhecimento.
Aliás
Mario Quintana nasceu em Alegrete, em 1906 e, com 20 anos, mudou-se para Porto Alegre. Com clássicos como Sapato Florido, Esconderijos do tempo e Lili inventa o mundo, consagrou-se poeta do cotidiano e tornou-se um dos ícones da literatura brasileira. Morreu em 5 de maio de 1994, aos 87 anos.
O poema, na íntegra
Canção do primeiro do ano
Pelas estradas antigas
As horas vêm a cantar.
As horas são raparigas,
Entram na praça a dançar.
As horas são raparigas…
E a doce algazarra sua
De rua em rua se ouvia.
De casa em casa, na rua,
Uma janela se abria.
As horas são raparigas
Lindas de ouvir e de olhar.
As horas cantam cantigas
E eu vivo só de momentos,
Sou como as nuvens do céu…
Prendi a rosa dos ventos
Na fita do meu chapéu.
Uma por uma, as janelas
Se abriram de par em par.
As horas são raparigas…
Passam na rua a dançar.
Janela da minha vida
Aberta de par em par!
As horas cantam cantigas
E, de novo, sem lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Em tuas mãos distraídas…
Mario Quintana
Porto Alegre, 1/1/41