Chico César se supera
Complicado fazer esta afirmação, mas vou arriscar: Vestido de Amor, décimo álbum de estúdio de Chico César, primeiro concebido fora do Brasil, é o melhor de todos. Gravado na França, com o produtor franco-belga Jean Lamoot, aborda o tema do pan-africanismo sob o ponto de vista da diáspora, mesclando ritmos nordestinos com reggae, rumba, calipso, rock e mais.
As letras de Chico exaltam um mundo mestiço, onde dançar é sempre possível. Não duvide! Entre outras, as participações de dois grandes nomes da música negra africana, Salif Keita (Mali) e Ray Lema (Congo), mais uma instrumentação pesada e colorida, com Chico a todo gás, fazem deste um álbum diferenciado e com carreira longa.
Navas canta Cole Porter
Há um bom tempo acompanho os movimentos do cantor paulistano Carlos Navas, comentei já alguns discos dele e trazem sempre surpresas. Pode fazer um dedicado a Mário Reis, outro com canções infantis de Vinicius de Moraes, outro com grandes nomes da MPB e tal. Artista amplo, geral e irrestrito no bom-gosto.
Agora traz, em edições física e digital, All of You – Canções de Cole Porter em Voz e Piano, seu 11º álbum. Mesmo em um repertório conhecido como o deste ícone norte-americano, a voz particular de Navas consegue extrair novidades. Ao lado do pianista Jonas Dantas, ele canta I’ve Got You Under My Skin, Easy to Love, Just One of Those Things, Love for Sale e mais. Inglês impecável.
Klüber brinca com Tudo
Estou sendo apresentado à artista curitibana Klüber em seu primeiro álbum, Pra Duvidar. “Trans não-binária”, informa a divulgação, ela é cantora, compositora, musicista e pianista.
Pelo piano que perpassa o álbum (com guitarra, beats, cello, violino, sopros, baixo, bateria) já se vê que Klüber tem educação musical e não está para brincadeiras.
Verdade: o que se ouve é uma porrada sonora, áspera, desafiadora, teatral, mesclando grunge, música experimental, samba, blues, valsa, alguns ares de música erudita.
Entre os temas das letras estão amor, arte, política. Ela diz que faz “pop prolixo”. E no meio disso, tem espaço para uma criação meio minimalista do clássico sertanejo Menino da Porteira. Preste atenção.
O filme de Pâmela Amaro
O curta-metragem Samba às Avessas, sobre o álbum de estreia da cantora e compositora Pâmela Amaro (lançado em abril), é uma das coisas mais bem feitas que vi nos últimos tempos.
A diretora Gautier Lee e a roteirista Ana Moura sintetizam em 21min as histórias de Pâmela, do samba em Porto Alegre e da cultura afro-gaúcha. Com ótima fotografia de Luiz Ferreirah, as cenas cruzam passado e presente envolvidas pela potência da música de Pâmela e a energia de mais de 20 participantes/atores, alguns bem conhecidos, todos negros. Sem ser panfletário, é um filme de alto teor político, social e cultural, feito com sensibilidade e alegria.
Por tudo, muito emocionante também. Pâmela merece. Pode ser visto no YouTube.
Os cotidianos de Natale
Trecho de Oração das Sete Cores, música que abre A Egípcia e o Mecânico, 12º álbum de Edson Natale: “Lá fora não sou mais do que você / lá fora não sou menos do que sou / se beijo outros homens / se creio em outro Deus / quem disse que sou menos dos que os teus?”.
Reunindo parceiros como Jards Macalé, Anelis Assumpção, Paulo Freire, Maurício Pereira, e a nata dos músicos paulistanos, o trabalho tem letras inspiradas no cotidiano – que tanto pode ser amigável como intragável...
Uma das faixas, Zuza, homenageia o jornalista e escritor falecido em 2020. De outro autor, apenas Dona Divergência, do Lupicínio.
Natale é um grande compositor que dedicou boa parte da vida à produção cultural.
Oneide e a música amazônica
Ela tem mais de 50 anos de carreira, é considerada “a rainha da música da Amazônia”, e só vim a conhecê-la recentemente, com o terceiro álbum, que leva seu nome, graças a um projeto do Itaú Cultural produzido pelo músico paulista Dante Ozzetti.
Oneide Bastos nasceu no interior do Pará e se destacou a partir do Amapá, onde vive. Diz Dante: “É trabalho importante de uma cantora singular, que traduz em sua trajetória o universo amazônico”. De fato, Oneide canta muito. O álbum traz ritmos e compositores da região, como Joãozinho Gomes, Paulinho Bastos, Eudes Fraga. Mas não só.
Os arranjos, com orquestra de cordas, sublinham a sofisticação da artista – uma mulher culta cantando projeções folclóricas. Muito prazer, Dona Oneide.