Certas vezes, Santa Maria pode ficar mais longe de Porto Alegre do que Londres. Pensei nisso ao tomar conhecimento agora do trabalho do músico e escritor Gérson Werlang. Dada a solidez de sua obra, é incrível que eu não soubesse dela ainda.
Falha minha, que tento recuperar um pouco a partir do lançamento, nesta sexta-feira (14), nas plataformas digitais, do terceiro álbum solo dele, Memórias e Sistemas — a edição em CD sairá dentro de dois meses. Antes, ouvi os dois primeiros discos, Memórias do Tempo (CD, 2008) e Sistema Solar (CD, 2015; vinil, 2017), que Werlang me enviou juntamente com os livros A Música na Obra de Erico Verissimo (ensaios, 2011) e Wilde em Berneval (romance, 2020).
Gravado ao vivo em 2019 no Teatro Múcio de Castro, em Passo Fundo, o novo álbum reúne músicas dos anteriores e duas inéditas. Nele, concentra-se a multiplicidade dos interesses musicais do compositor, violonista e guitarrista. A menção acima a Londres não é gratuita, pois uma de suas influências é o rock progressivo inglês. Ao lado de sons viajantes, ora pesados, ora mais leves, transitam canções de alma brasileira e até um hard-tango. As duas inéditas são milongas de belas melodias — inspiração melódica é outra marca do trabalho. As letras falam de amor, criticam, filosofam, a voz de Werlang quase sempre sublinhada pelos violões e guitarras, com uma pegadora banda de sete músicos por trás.
— Só recentemente percebi que minha relação com a música e a literatura vem da infância — diz ele. — Em minha casa não havia toca-discos, apenas o toca-fitas no carro da família, mas eu absorvia tudo pelo rádio, pela TV. As lembranças dessa época são de Secos & Molhados e o violino de meu pai soando na sala. Ele ouvia tudo, de rock a Strauss e esse caos auditivo foi fundamental para minha formação. Aos 11 anos, li Solo de Clarineta, do Erico, presente dele. Estudei piano na infância, no início da adolescência comecei a escrever os primeiros textos e também as primeiras músicas. A partir dali, essa relação nunca mais de desfez.
Nascido em Santa Rosa, Gérson Werlang passou a infância em várias cidades até ancorar em Santa Maria (“minha cidade do coração”), onde é professor do Departamento de Música da UFSM. Lá fez graduação e pós-graduação em Música e doutorado em Letras na área de literatura comparada. Em 1999, fez mestrado em “guitar perfomance” na Universidade de Miami. De 1995 a 2015, lecionou na Universidade de Passo Fundo, de onde saiu para ingressar na UFSM. Em 1997, ainda achou tempo para criar a Poços & Nuvens, banda de rock progressivo que tem cinco discos lançados, o último em 2020.
Ampliação da tese de dourado em Letras, o livro A Música na Obra de Erico Verissimo – Polifonia, Crítica Social e Humanismo é um trabalho de espetacular mergulho na obra do escritor. Uma das orientadoras da tese, a professora Maria da Glória Bordini escreve no prefácio que o estudo “persegue relações musicais-literárias detectáveis na obra completa de Erico, até agora desconsideradas pela crítica”.
E, finalmente, o romance Wilde em Berneval transforma em ficção, de forma brilhante, os três meses que o escritor Oscar Wilde (com nome falso) passou nessa aldeia do litoral norte da França, no início do autoexílio que se impôs depois de dois anos de prisão na Inglaterra vitoriana pelo “crime” de homossexualidade.
Lançamento
- O lançamento do álbum Memórias e Sistemas ocorre nesta sexta-feira (14), a partir das 19h, no YouTube de Gérson Werlang. Ele vai rodar e comentar todas as faixas.
- Os discos são distribuídos no Brasil pelo selo Rock Symphony e na Europa pelo selo francês Musea. Os livros têm as assinaturas das editoras Méritos (Erico) e Coralina (Wilde). À venda em gersonwerlang.com/pt/musica