A multiartista recifense Luna Vitrolira é uma das grandes surpresas projetadas na pandemia. Em seu recém-lançado primeiro álbum, Aquenda – O Amor às Vezes É Isso, ela se insurge fundamente contra o machismo, o cinismo, a hipocrisia, a violência contra a mulher; especialmente a mulher negra.
Conceitual, com tintas de manifesto, as faixas desdobrando a mesma temática, é um trabalho desafiador, político, corajoso, agressivo e afirmativo. Luna recita/canta seus densos versos sobre uma ruidosa trilha criada por Amaro Freitas, consagrado pianista pernambucano de jazz, mais quatro músicos de percussão e beats eletrônicos (entre eles Pupillo, da Nação Zumbi). Os formatos passam por rap, maracatu, funk, coco.
“Sei que o trabalho causará impacto, mas a gente pode imergir e afundar sem se afogar”, diz ela. “Quero abraçar a história, a sensibilidade e a consciência das pessoas como uma forma de acolhimento. Precisamos falar de um outro amor, construir outra versão para o amor”. Mestra em Teoria da Literatura, escritora, poeta, atriz, performer, Luna tem 28 anos e seu primeiro livro de poemas (com o mesmo título do álbum) foi finalista do Prêmio Jabuti 2019.
Das 10 faixas, em apenas uma, talvez duas, ela deixa fluir um certo clima de canção “normal”. Casos de Abre Alas, com a participação da cantora Xênia França, e da transgressora, ousadíssima Ajoelha e Reza. No geral é sempre o canto falado.
Em Aquenda, Luna diz: “Ser mulher nunca foi fácil/ Sofrer privações e bombardeios vindos de todos os lados/ Ser subjugada, tida como frágil, incapaz, dependente, limitada/ A de cama, mesa e banho, do lar (...) Definida pelo corpo (...) Ser vítima e ainda ser culpada.” E termina: “Aprendi que tenho meus poderes/ Não sou um objeto que você pega e usa”.
Saliva e Água Benta discorre sobre abusos sexuais. Trecho: “Eu vi o padre desejando ser a mosca que pousava entre as coxas dela”. Em outros versos, denuncia a cultura do estupro e do feminicídio. Mas por que Ajoelha e Reza é ousada? Porque, entre outras coisas, diz que “o templo de deus é uma buc(...) e se revela aqui entre as minhas pernas”.
E o que é “aquenda”? Do verbo “aquendar”, tem vários significados: pegar, amassar, esfregar, esconder, disfarçar, entre outros...
- Aquenda – O Amor às Vezes É Isso, de Luna Vitrolira. Lançamento Deck Disc, disponível nas plataformas digitais.
Gal visita o passado com amigos do futuro
No último ano, sem poder fazer shows e prevendo as dificuldades para gravar em estúdio um álbum de músicas inéditas, Gal Costa ligou para Marcus Preto, seu produtor desde 2015. Não queria deixar em branco a passagem dos 75 anos. Da conversa veio a ideia de ela visitar momentos marcantes da discografia, basicamente os anos 1960 e 1970, aquela primeira parte fundadora de seu estilo e personalidade. Mas com elementos novos. O resultado é Nenhuma Dor, 43º disco da carreira, em que a deusa baiana soma sua voz à de 10 intérpretes de gerações posteriores à dela, alguns da novíssima geração. Cada convidado gravou em home studio, com Felipe Pacheco Ventura se encarregando dos muito bons arranjos de cordas.
Mesmo quem conhece as gravações originais não deixará de se encantar com as novas interações, algumas surpreendentes, outras nem tanto. Das 10 canções, sete têm a assinatura de Caetano: Avarandado, com Rodrigo Amarante evocando João Gilberto; Paula e Bebeto (parceria Milton Nascimento), com Criolo; Meu Bem, Meu Mal, com Zé Ibarra; Baby, com Tim Bernardes; Coração Vagabundo, com Rubel; Negro Amor (versão de Bob Dylan), com o uruguaio Jorge Drexler; e Nenhuma Dor (parceria com Torquato Neto), com Zeca Veloso. Mais: Só Louco (Caymmi), com Silva; Pois É (Tom/Chico), com o português António Zambujo; e Juventude Transviada (Luiz Melodia), com Seu Jorge. Viva Gal!
- Nenhuma Dor, de Gal Costa e convidados. Biscoito Fino, CD R$ 42,40. Vinil em noizerecordclub.com.br. Disponível nas plataformas digitais
Bemóis & Sustenidos
Thiago Ramil
Começou nesta quinta-feira (1º) a temporada de lançamento digital do terceiro disco de Thiago Ramil. Quatro EPs, com quatro músicas e um curta-metragem cada, formarão o álbum ainda sem data de lançamento. Quinta-feira: O Sol Marca; dia 8: O Andar do Tempo; dia 15: E a Imensidão do Universo; e dia 22: Todo Dia. O título do álbum terá a soma desses, digamos, subtítulos.
Belchior longe da fama
Depois da edição digital, chega às livrarias, físicas e virtuais, o livro Viver É Melhor que Sonhar – Os Últimos Caminhos de Belchior, dos jornalistas Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti. É um road book, que através de dezenas de entrevistas investiga os 10 anos finais da vida do compositor a partir da pergunta: por que ele “caiu fora”? Sonora Editora, 264 páginas.
Irmãos Fagundes
Já está nas plataformas digitais Capricórnio, álbum instrumental dos manos Ernesto Fagundes e Paulinho Fagundes. No texto de divulgação, Roger Lerina diz que o trabalho se situa em uma zona sem fronteiras, que aproxima lugares como o deserto de Atacama, o apartamento dos Fagundes em Porto Alegre e o pátio do Índio Forlan, mestre do bombo, na Argentina.
Paulo Freire
O grande violeiro Paulo Freire estreia no dia 13, em suas redes sociais e na plataforma Zoom, o show Viola, Rosa e Sertão, com cantorias e histórias do Sertão de Urucuia, em Minas Gerais, “mundo” inspirador dele e de Guimarães Rosa. No Zoom, as pessoas poderão interagir com o cantador ao fim do show. Inscrições em violarosaesertao.com.br.