Na virada dos anos 1950 para os 60, paralelamente à eclosão da bossa nova, uma música dançante espalhou-se como um vírus nas boates da zona sul e nos bailes da zona norte do Rio de Janeiro — e, por tabela, em boa parte do Brasil. Esse movimento é o tema de Sambalanço — A Bossa que Dança, documentário do cineasta gaúcho Fabiano Maciel e do jornalista carioca Tárik de Souza. Trata-se de um dos mais envolventes e preciosos filmes já feitos sobre a música brasileira. Sua finalização demorou 10 anos, mas finalmente está disponível nas plataformas Oi, Now e Vivo, no dia 19 de maio chega ao Canal Brasil e depois entra na grade do Globoplay. Imperdível mesmo.
— O filme era para ter sido lançado em 2016, junto com meu livro homônimo, mas acabou demorando esse tempo todo — conta Tárik, fundamental crítico e pesquisador da MPB, com vários livros publicados.
Além de formatar o roteiro, ele conduz a narrativa de Sambalanço. Três estrelas do movimento aparecem do início ao fim do filme, lembrando suas histórias: Ed Lincoln, Orlandivo e Durval Ferreira, lamentavelmente falecidos antes da estreia. Ao lado deles, em vídeos da época, aparecem Djalma Ferreira (da boate Drink, um dos centros do agito), Miltinho, Elza Soares, João Roberto Kelly, Walter Wanderley, João Donato, o futuro ator Paulo Silvino, os garotos Wilson Simonal e Jorge Ben.
O roteiro conjuga memórias atuais, com vários depoimentos, e cenas da época — imagens em preto e branco das casas noturnas, das fervilhantes avenidas e das praias do Rio de Janeiro, vivendo seu apogeu de urbanidade. A pesquisa de imagens é muito boa. “O Brasil dos anos 1950 tinha pressa”, diz alguém. Pressa mas com malemolência. Dança e alegria. “O ritmo que não era samba de morro nem sincopado de gafieira promoveu mais um movimento dos quadris do que um batuque de cabeças pensantes”, resume Tárik.
“A bossa era elitizada, as letras do balanço não tinham compromisso poético”, sublinha Durval. Outra bossa, enfim, ao som não do violão, mas do órgão elétrico, marca daqueles dançantes anos dourados. Logo depois viria a ditadura...
Ernesto e Paulinho fundem bombo e violão
Raro trabalho instrumental construído com bombo leguero e violão/guitarra, Capricórnio, dos irmãos Ernesto Fagundes e Paulinho Fagundes, é um álbum de bela concepção e execução. Para começar, eles são muito bons em seus instrumentos — e estavam abertos a todas as possibilidades. “A prisão da pandemia nos deixou livres para criarmos do jeito que quiséssemos”, resume Ernesto, sete anos mais velho do que Paulinho, ambos nascidos sob o signo de Capricórnio. Em janeiro último, enfiaram-se no estúdio caseiro do caçula e ligaram as máquinas. As músicas foram surgindo a partir de memórias afetivas de Ernesto, principalmente. Para entrar no clima, Paulinho pedia que tivessem nome.
E os nomes/títulos iam sugerindo imersões mais na América Latina do que no Rio Grande. Com ares de zamba, por exemplo, a primeira faixa, Atacama, aspira o ar do deserto chileno. Mais adiante, a chacarera Pátio do Índio evoca a viagem que fizeram ao templo do bombo leguero, na Argentina. A milonga Até o Talo homenageia o grande Talo Pereyra, músico argentino que fez sua vida no RS. Já em Capricórnio, que inclui flauta, efeitos e vozes, o violão faz costuras jazzísticas. Costuras, aqui com guitarra, que também aparecem em Guanabacoa. E assim vão os manos, sempre com uma tensão boa, até desaguar em Dom Euclides, milonga dedicada ao patriarca dos Fagundes, como uma volta à casa.
"Capricórnio", de Ernesto Fagundes y Paulinho Fagundes
- Independente, disponível nas plataformas digitais.
Bebeto, Nelson, Vitor: LPs fazem 40 anos
Três discos emblemáticos da nova música gaúcha, com a estreia de três cantautores, completam 40 anos de lançamento em 2021. O LP de Nelson Coelho de Castro foi relançado em CD em 1996. Os de Bebeto Alves e Vitor Ramil nunca foram reeditados. Têm sido mais ou menos lembrados aqui e ali — teriam festas em tempos normais.
Reouvi os três, achando não estar mais em idade de sentir nós na garganta. Pois senti. Nó na garganta e saudade daqueles dias em que fazíamos parte de uma mesma tribo, eu no jornal, eles nos palcos. Vinham me visitar na redação de ZH, entrando sem deixar documento. Estão entre os músicos mais importantes da história do RS.
Sem título, o LP de Bebeto pela gravadora CBS começou a surpresa pela capa: o Bebeto Nunes Alves de antes perdera o “Nunes” por sugestão do produtor Carlos Alberto Sion. Tinha milonga nova e as marcantes De Um Bando, Fogueirais, Polvadeira e Kraft!... Mesmo. Ele pode cantá-las hoje sem qualquer estranhamento, seguem atuais.
Juntos, de Nelson, foi o primeiro disco independente do RS. Foram vendidos bônus de compra antecipada para os “coprodutores”, com direito ao nome impresso na contracapa. Entre as músicas, dois destaques: Armadilha, da trilha do filme Deu Pra Ti, Anos 70, e Zé – Naquele Tempo do Julinho. Novo samba porto-alegrense na roda.
Em Estrela, Estrela, Vitor Ramil, 19 anos, conseguiu da gravadora PolyGram músicos e arranjadores da estirpe de Egberto Gismonti, Wagner Tiso, Luiz Avelar, Victor Biglione, e participação das cantoras Zizi Possi e Tetê Espíndola. Entre as músicas, Assim, Assim e a que deu título ao LP, composta aos 16 anos e até hoje pedida nos shows.