Em 2017, Ana Paula da Silva recebeu o Prêmio da Música Brasileira como a Melhor Cantora na categoria Regional pelo álbum Raiz Forte, do ano anterior. Comentei aqui esse disco, que me impressionou muito pela potência musical da artista e pelo fato de já tendo seis trabalhos lançados ser ainda pouco conhecida fora de seu Estado, Santa Catarina, onde é uma estrela.
Agora, ao ver e ouvir Canto da Cigarra, o DVD com que comemora 20 anos de carreira, ainda mais impressionado fiquei: ela também transborda simpatia e carisma. É uma cantora, compositora e violonista da linha de frente da MPB – mesmo que assuma as particularidades culturais de sua terra, ultrapassa o rótulo redutor de “regional”. O vídeo foi gravado em dois espaços de Joinville, sua cidade natal: o Teatro Juarez Machado e o Café do Museu do Mar.
No teatro, com o público ao redor, Ana Paula brilha em um cenário povoado por elementos da natureza, que no fim das contas são também os elementos de sua música. Canta acompanhando-se ao violão com os ótimos Davi Sartori no piano e William Goe na bateria e percussão. Na abertura, recita um poema e ao final comenta: “Vivo no agora, embora me sinta de antes”. O samba, uma das vertentes de sua composição, surge já na primeira música, Meu Canto é Minha Própria Asa.
Ana tem um ritmo natural e algo que lembra Clara Nunes na voz aberta e colorida – e, para mim, é melhor. Em Canto da Cigarra, também dela, canção forte, toca bombo leguero. Trecho da letra: “Sou do Sul, vim sambar, vim pra cantar/ Sou do negro, do canto de um lugar/ Sou Obá, sou filha de Oxalá/ Meu Orum, minha terra e meu lar”.
Vídeos de natureza, mar e barcos entram aqui e ali como vinhetas. Interpretada em perfeito espanhol, Casamiento de Negros, de Violeta Parra, surpreende. Perto da metade do DVD, a “ação” muda para as mesas do Café do Museu do Mar, com outros músicos e clima de roda de samba mesmo, tendo com um dos destaques o ótimo Gávea, dos gaúchos Alegre Corrêa e Márcio Tubino. De volta ao teatro, momento especial: Ana chama a filha Clara, que deve ter uns 10 anos, para cantar (lindamente) com ela o ijexá Amor Pra Dar e Receber. Outro convidado é François Muleka, grande músico filho de congoleses radicado em Florianópolis. Em alto ritmo afro, eles cantam Entrando no País das Maravilhas. E pra fechar, Na Virada da Costeira, envolvente sambaião de Chico Saraiva e Paulo César Pinheiro. Um DVD competente e emocionante.
Canto da Cigarra
De Ana Paula da Silva
DVD financiado pela lei de incentivo de Joinville, R$ 40 em anapaula dasilva.com. O disco vem dentro de uma bolsa confeccionada com resíduos da indústria têxtil pelo projeto Mulheres de Mafra.
Diogo Nogueira: entre os grandes
Seu pai já tinha morrido quando Diogo Nogueira decidiu seguir a carreira dele: sambista. Começou com desconfianças, pois não era mole ser confrontado com o legado de João Nogueira (1941–2000). Não se intimidou, foi em frente e tornou-se um dos cantores de samba mais populares do Brasil, dos que mais vendem discos e fazem shows – em Porto Alegre, tem público cativo no Bar Opinião. Depois do vigoroso álbum Bossa Negra, de 2014, feito com o bandolinista Hamilton de Holanda, os críticos à qualidade de seu trabalho arrefeceram; e agora, com Munduê, emudeceram. Convincente, compondo com a fluência dos grandes, aos 36 anos Diogo Nogueira já é um deles. A produção luxuosa do novo disco, com dezenas de músicos, comprova isso.
Para começar, ele assina todas as faixas, com diversos parceiros. A primeira é o batuque Munduê, avisando que os arranjos virão com tudo, violões, metais, algumas cordas, alta percussão, aquele coro que é marca antiga nas gravações de samba. “Tento fazer essa ligação de tradição e modernidade”, anota Diogo. Acerta em cheio. E canta cada vez melhor, tanto nos sambas pegadores como nos romanticamente mais maneiros. A reverência aos mestres está em Império e Portela. A ligação religiosa com o samba aparece em Me Chama. A crítica política faz de Tempos Difíceis uma das melhores – “Tempos sombrios pra quem busca igualdade”, diz a letra. Tem até tempero nordestino, em Mercado Popular, com bela participação de Lucy Alves. Golaço, Diogo.
Munduê
De Diogo Nogueira
Universal Music, CD com 14 faixas, R$ 29,90.
Disponível nas plataformas digitais.