O avô carinhoso e afetivo só queria aumentar o tempo de interação com o netinho de sete anos, sua paixão. O caminho que lhe pareceu mais curto foi aprender a jogar o videogame que mantinha o garoto completamente alienado. Depois das primeiras lições e de algumas tentativas bisonhas de competição, a impaciência do garotinho prevaleceu, com um resquício, assim, de doçura:
– Vô, você sempre foi ruim ou piorou quando ficou velhinho?
A questão não é a suposta decrepitude do avô, que riu muito da pergunta, mas do quanto aquele esboço de cérebro, promissor, mas imaturo, isolado no mundo abstrato, possa estar sacrificando a sua inata inteligência emocional.
A neurociência tem revelado que o cérebro não é um órgão estático como se imaginava algumas décadas atrás. Pelo contrário, é um órgão dinâmico, sujeito às transformações decorrentes de estímulos, os mais variados. Toda a estimulação acelera o desenvolvimento de novas conexões (sinapses), o que explica o desenvolvimento exponencial de novas habilidades em crianças e adolescentes, que estão crescendo na fascinante era da tecnologia digital. Da mesma maneira, a tendência irrefreável à competição remete-os na busca de novos rivais, trazidos para a tela do computador com a presteza com que, no passado, se desafiava um vizinho de porta, mesmo que ele viva do outro lado do mundo e fale um idioma desconhecido.
A discussão que se impõe nesse momento de encantamento com a inteligência artificial (IA) é do quanto ela pode contribuir para moldar o funcionamento do cérebro em desenvolvimento, tornando-o adequado ao convívio social.
Isso devia ser, se ainda não é, uma preocupação contemporânea intransferível, se considerarmos que todas as pesquisas de identificação dos pré-requisitos da felicidade sugerem que ela é uma quase exclusividade das pessoas que mantenham boas relações pessoais, familiares ou comunitárias. É obrigatório que pensemos, friamente, sobre o quanto a identificação com a atividade robotizada da inteligência artificial contribuirá para a produção de modelos humanos aptos à felicidade. Parece temerária, para o futuro, a figura do adolescente recluso, exímio digitador, mas incapaz de redigir um texto simples que exprima emoção, ou de sustentar uma relação afetiva comum, dessas de carne e osso.
O novo sempre é fascinante, mas certamente não será o adolescente imaturo, envolvido no processo de perseguição a uma ideia sedutora, o árbitro mais adequado para estabelecer limites do que é saudável.
Não se trata de negar o que é óbvio: a IA veio para ficar, e nossa sobrevivência funcional dependerá da capacidade de adaptação de cada um, utilizando-a como uma parceira preciosa, mas sem a ameaça de substituição. Nos consultórios médicos, por exemplo, cada vez mais seremos três elementos interdependentes: um ser em sofrimento, um banco de dados inexcedível e silencioso e um especialista em sentimentos humanos. Competência profissional a partir deste estágio dependerá dessa interação.
Para que não pareça uma implicância negacionista, quando se consulta o ChatGPT, ele, prudentemente, adverte: “a IA pode ter dificuldade em entender nuances e contextos complexos, como ironia, sarcasmo ou emoções humanas profundas”; “embora a IA possa gerar conteúdo criativo, como textos, imagens e músicas, a originalidade e a profundidade das ideias muitas vezes não se igualam à criatividade humana”; “a IA pode analisar dados e fornecer recomendações, mas não possui o julgamento moral que os humanos têm, podendo falhar em situações que exigem empatia ou valores éticos”.
Não podemos ser negligentes e oferecer às gerações futuras uma chance de felicidade menor do que a nossa geração pode desfrutar e que, se não alcançou, não foi por falta da fraternidade amorosa gerada pelo nosso cérebro original. Esse que, aparentemente atordoado pela complexidade dos sentimentos humanos, ainda não se sentiu capacitado a repassá-los aos inflexíveis algoritmos da máquina. Mas, com certeza, vai continuar tentando, porque é da sua natureza não desistir.