Prevalecendo o conceito clássico de que a verdade sempre aparece, devia ser obrigatória a recomendação de defendê-la sempre, considerando o quanto seria constrangedor descobrir-se, em algum momento futuro, que estivemos o tempo todo, do lado errado da questão.
Claro que o constrangimento disso resultante, será uma exclusividade das pessoas de boa índole, aquelas que motivaram a publicação dessa crônica. E que em nada se parecem com os limitados de caráter, sempre enredados em escusas fabricadas, contextos falsos, e vieses convenientes.
Normalmente vista como a vilã dos relacionamentos pessoais, a mentira existe, em muito, porque nos ajuda a cumprir um propósito essencial: a convivência harmoniosa em sociedade. Não seria um exagero chamá-la de mentira do bem, por quanto pode significar de preservação da dignidade, que para os desprovidos amiúde representa a única e pífia justificativa para a sobrevivência.
Certamente o mundo sem mentiras, teria muitas vantagens: os políticos teriam que encontrar virtudes verdadeiras; os compromissos seriam respeitados; ninguém manteria segredos e a traição não existiria
Na essência, todos desejamos que as pessoas nos tratem com sinceridade, mas intimamente tememos o supersincero, uma figura sempre assustadora. Para quem acha relaxante o convívio com a verdade, uma recomendação útil: retenha toda a informação bombástica até comprovar sua autenticidade. Sites como Snopes e FactCheck.org podem ajudar.
Uma dúvida constante é o quanto estamos, de fato, preparados para a sinceridade absoluta, porque sem mentiras você teria que ouvir com naturalidade o que os outros pensam da sua aparência, das suas opiniões, dos seus amores e, que desagradável, do seu desempenho profissional.
As pessoas que falam muito acabam mentindo, porque esgotam o estoque de verdades.
MILLOR
Todos admitem que a mentira pode ser uma bengala para a autoestima. Em consequência quase nada do que se publica, por exemplo, em sites de relacionamento é verdadeiro. Numa pesquisa baseada em uma rede social na Califórnia mostrou que os homens eram, em média, cinco centímetros mais baixos e as mulheres estavam seis quilos acima do peso anunciado.
Como a verdade está atrelada à palavra, ficamos sempre à mercê do jeito de dizer, com termos conciliadores ou belicosos, que fluirão condicionados a gatilhos de risco, como preconceito, intolerância, sequelas emocionais ou, simplesmente, cansaço.
Com uma visão isenta, é fácil concluir que dois predicados frequentes, tornam a verdade uma ameaça ao convívio social amistoso: a verdade absoluta e a verdade permanente.
A fonte de intolerância mais antiga é o contador de vantagens, um tipo frequente nas reuniões sociais e quase obrigatório em entrevistas de emprego.
Como era de se esperar essa intolerância aumenta com a velhice porque parece cada vez mais irritante que alguém suponha que apesar de tudo o que a idade ensina ainda sejamos impressionáveis.
Por outro lado, a prática da verdade tem significado diverso em diferentes ambientes, usando-se como extremos, a fidelização à verdade nas pesquisas científicas – onde a falsidade é repudiada com veemência máxima porquanto representa de malefício para a sociedade – e a permissividade sem filtro das redes sociais, que rapidamente se revelaram os celeiros das notícias falsas, com o descompromisso moral de quem não se importa que uma mentira possa destruir uma família ou emporcalhar uma biografia.
Em medicina, especialmente em condições extremas, verdade é empregada até o limite em que, por aspereza, possa comprometer a esperança. Perceber a diferença entre verdade total e verdade útil, em prol do paciente, é puro talento médico.