A oitava sessão da terceira edição do curso A Medicina da Pessoa foi dedicada a explorar as nuances, dificuldades, e vicissitudes da atividade humana considerada a mais nobre de todas: a de cuidar de quem precisa de uma última ajuda.
Atenção na terminalidade se define pela condição de dependência completa, que assemelha o adulto de qualquer idade à criancinha recém-nascida, que não sobreviveria por conta própria, numa regressão que coloca o nosso paciente na última fronteira da vida, carente de todos os cuidados, tal qual experimentou ao aportar neste mundo, décadas antes.
O fato de a maioria dessa população ainda conservar a lucidez torna esse cuidado carente de empatia e de extrema sensibilidade, uma exigência que, definitivamente, exclui a participação de amadores e desmotivados.
A discussão das razões pelas quais os médicos jovens fogem do paciente terminal foi atribuída a uma formação médica distorcida, com um currículo acadêmico que privilegia a busca da recuperação da saúde e nega a evidência de que o atendimento médico não se encerra com a irreversibilidade do quadro clínico. Porque não se pode ignorar que a proximidade da morte e o seu desfecho representam etapas críticas de necessidades assistenciais urgentes e delicadas.
Por falta de orientação e treinamento, muitos médicos imaturos não percebem que o discurso esperançoso que faz parte da rotina do atendimento do paciente recuperável, no epílogo da vida, se revela inútil e ofensivo à inteligência do paciente terminal, que invariavelmente sabe o que está morrendo e vive uma situação em que só a verdade faz sentido. Um indício muito eloquente e sutil da inadequabilidade do discurso é o paciente fechar os olhos no meio da preleção médica surreal sobre o projeto terapêutico futuro.
Se isso ocorrer, vire a chave: o paciente sempre sabe quando o futuro acabou.
O papel mais importante do médico consiste em aliviar todo o sofrimento físico e oferecer parceria na solução de pendências comuns no ocaso da vida, usualmente na busca de perdão para alguma grosseria que arrastou pela vida afora, como uma alforria para que morra em paz.
Há muito tempo aprendi que analgésico, oxigênio e perdão constituem o tripé básico da terapia médica na terminalidade. Na palestra seguinte, o eminente oncologista, professor Daniel Tabak, deu ênfase à delicadeza e necessidade de empatia, através da discussão dos requintes da relação médico-paciente em oncologia. O afeto, com toda a certeza, é o melhor lenitivo para as mazelas do tratamento oncológico e o medo que caracteriza o convívio com uma doença estigmatizante.
Débora Noal, uma psicóloga brilhante, falou a seguir, contando das suas múltiplas missões do Médicos Sem Fronteiras, quando trabalhou no limites da miséria humana, em países como Haiti, República Dominicana, Congo, Sudão do Sul, Líbia, Tunísia e, Moçambique. Ela decidiu dedicar sua vida, sua escuta e seu afeto àqueles que mais necessitam e, numa verdadeira catarse, produziu um livro espetacular, O Humano no Mundo, que todos deveriam conservar na mesa de cabeceira para uma passada de olhos quando se sentissem tentados a se queixar da vida.
Num clima de indisfarçável emoção, a doutora Ana Lúcia Coradazzi, uma oncologista com um olhar generoso para além câncer, concluiu o nosso simpósio falando sobre os tópicos mais delicados dos cuidados paliativos, com foco absoluto em aliviar sofrimento. Quando encerrou a sua comovente apresentação, deixou evidente o quanto de afeto é desperdiçado por aqueles que negligenciam o convívio de maior densidade emocional possível, esse que marca a relação médico-paciente no fim da vida.
Reconfortante foi a sensação final de que ninguém saiu incólume daquela sessão tão inspiradora.