Eu tinha sido chamado para confirmar que não havia nada para ser feito num caso de trágica evolução de um tumor de face. Havia sido convocado diante da informação de que a doença disseminara para os pulmões, mas a família não tinha por que se preocupar com isso, visto que, sem tosse ou falta de ar, o pulmão se torna invisível, o que pode ser uma ótima solução para o que não tem remendo.
A pior parte, por ser cruelmente visível, estava no rosto, onde o tumor abrira caminho em direção à cavidade oral e, por um orifício lateral, saía saliva. A tentativa do marido de manter uma conversa tão agradável quanto possível era amiúde interrompida pela necessidade de secar a bochecha.
Ela, com o olhar triste do fim da vida, murmurou: "Tomara que o senhor tenha vindo me trazer um milagre, porque eu quero viver, e tenho muito medo de morrer". O marido se inclinou e secou mais demoradamente a cascata de saliva. Difícil encontrar uma dor compartilhada com tanto sofrimento. Houve um momento em que a saliva dela e as lágrimas dele escorriam para a mesma compressa.
A capacidade de sofrer do ser humano não é ilimitada.
O desespero médico é multiplicado pela sensação de completa inutilidade quando se percebe que até o consolar, identificado como o último bastião da medicina paliativa, fica inviável porque ainda não inventamos palavras que emprestem sentido ao impossível.
Quando saímos ao corredor, o marido me confidenciou que ela tinha sido muito agressiva com uma psicóloga da família que, não sei com que palavras, sugeriu que estava disponível para ajudá-la a morrer com dignidade. Esse relato confirma a grande sensibilidade necessária para perceber o sentimento do paciente antes de se oferecer ajuda, para que se tenha noção do que ele considerará parceria ou invasão.
O sofrimento físico sem redenção é certamente o elemento persuasivo mais forte na deliberação da vítima em favor de interrupção das terapias fúteis e na administração do que se chama morte digna. Mas sempre haverá o risco de descompasso entre o que consideramos hipoteticamente insuportável e o esgotamento do paciente na luta pela sobrevivência, nosso instinto raiz.
Dias depois, passando pelo posto de enfermagem, soube que ela tinha acabado de morrer. O marido, carregado de sacolas, passou por mim no corredor, sem me ver. Juraria que me pareceu aliviado. No início da minha experiência com pacientes crônicos, muitas vezes interpretei este tipo de reação como desamor. Pura ingenuidade. Conviver com o sofrimento inútil do ser amado é uma tortura. Já encontrei mães amorosas pedindo a Deus que levasse seu filho idolatrado por não mais suportar vê-lo penar sem remissão.
A capacidade de sofrer do ser humano não é ilimitada. Há um ponto na curva de tolerância, em que se desejar a antecipação do fim é um dilacerante exercício de compaixão.
Nunca esqueço quando uma mãe, desesperada porque nem a morfina aliviava a dor do seu menino, me confessou: "Quando ele me diz, 'mãe, me acuda', e eu não sei o que fazer, sinto que meu coração vai sair do meu peito".
Nenhum coração de mãe resiste a esse apelo. E não conheço melhor definição de fadiga do sofrimento.