Adoecer não pode significar só sofrimento, assim como sofrimento não pode resultar apenas em lamentação. E é muito bom que seja assim porque, se não, como explicar que pessoas boas passem por vias-crúcis injustas?
Na minha já longa experiência em conviver com pessoas que passaram por vivências sofridas, aprendi, entre outras coisas, a valorizar esses antecedentes, por quanto eles contribuem para forjar uma capacidade de enfrentamento que separa os fortes e resilientes e expõe os fracos e pusilânimes.
Que ninguém entenda, por favor, que estou propondo a submissão a algum grau de sofrimento como estratégia de qualificação pessoal, como sugerem alguns textos religiosos, inspirado no exemplo magnânimo de Nosso Senhor. Nada disso. Todo o sofrimento deve ser evitado, e, a propósito, a principal função do médico é, antes de tudo, aliviar-nos dele.
Pretendo, sim, discutir o significado do padecer inevitável, de qualquer origem, física ou emocional. Se por um lado o jeito de sofrer é personalizado, com cada um penando do seu jeito, o resultado final é previsível: todos se revelam, depois, como seres humanos mais qualificados, mais compassivos e solidários, e com baixíssima tolerância à mesquinhez e à picuinha.
E certamente haverá uma mudança radical em relação à atitude nos laços familiares, profissionais e sociais. Só a possibilidade concreta de tê-los perdido fortalece os vínculos amorosos com uma intensidade impensável nas fases coloridas da vida. De contrapeso, como ninguém consegue de fato fingir uma preocupação inexistente, poder reconhecer quem sofreu com iminência de perder-nos permite fazer uma triagem confiável dos amigos e dos nem tanto.
Meu velho professor adoeceu, e a filha colocou um livro de presença na entrada da suíte. Quando o visitei semanas depois da alta, ele já recuperado e com a ironia intacta, assinalava os amigos verdadeiros e alguns, poucos segundo ele, que estiveram ali apenas para confirmar o quanto a sobrevivência era improvável. Quando a filha serviu o tradicional vinho do porto com que saudávamos à vida, ele não esqueceu de brindar:
— Aos filhos da mãe de plantão, incompetentes até na secada!
Contei a ele que tinha passado por uma experiência pessoal assustadora com um cateterismo cardíaco depois de uma dor no peito, e que o mais inesquecível tinha sido a visita, cedo da manhã seguinte, de um grupo de seis funcionárias da limpeza do hospital, que entraram de mãos dadas na UTI, só para me comover:
— Nosso doutor querido, fique tranquilo, que a nossa reza é forte!
Ele ouviu minha história, secou uma meia lágrima, serviu mais uma dose do vinho e acrescentou:
— Mais um brinde, agora de pena dos medíocres que nunca se comovem!