Só a vaidade consegue tornar o poder ainda mais corrosivo do caráter das pessoas ditas normais. Como o vaidoso já tem uma noção distorcida do valor de si mesmo, o encontro circunstancial com o poder contribui ativamente para a consagração do narcisismo intolerável que requinta o sociopata clássico, aquele que acredita que a sua presença define o centro do mundo, e crê, de verdade, que tudo o que se diga contra ele é só uma pobre expressão de ressentimento, fruto da inferioridade do contestador.
O convívio com esse tipo é desgastante e insuportável a médio prazo, porque ele sempre age como se todos tivessem que seguir a luz da estrela imaginária que, por uma dádiva celestial, brilha na sua cabeça primorosa. Tudo porque ninguém foi capaz, lá no início, de alertá-lo de que não há nada mais constrangedor do que liderança questionada.
Como não há maturidade para o simples cumprimento da lei, tudo é passível de interpretação, e o resultado final é a perplexidade do público.
Curiosamente, esse comportamento patético se revela em todas as esferas de comando, seja nos meandros da República, seja na administração da VAR, esta novidade trazida para o futebol com a aparente intenção de moralizá-lo, mas que, ao ser administrada por seres humanos submetidos aos mesmos desvios de caráter, não tem conseguido mais do que enriquecer a irritação dos torcedores, com uma tecnologia extremamente sofisticada que, mal utilizada, resulta inútil.
Claramente o VAR está para o futebol como a Lava-Jato para a atividade política. Como não há maturidade para o simples cumprimento da lei, tudo é passível de interpretação, e o resultado final é de perplexidade, porque a simples comparação com eventos semelhantes tem gerado sentenças diferentes e desconcertantes. Ouvir as justificativas dos juízes, do futebol ou do STF, sobre a possível intenção do toque de mão, ou das razões para mudança de opinião emitida com contundência dois anos atrás, é um exercício de deboche e humilhação. Enquanto isso, o brasileiro, com seu senso de humor ferino, tem se servido do momento de indefinição entre o legal e o minimamente ético, para se divertir um pouco com a ridicularização do cotidiano.
Dias atrás, recebi um paciente idoso, com cara debochada, colorado confesso, convencido de que o VAR tem camisa e que por azar não é vermelha. Ele chegou no consultório para uma segunda opinião, trazendo um tumor no tórax, e a indicação de outro cirurgião, de operação imediata. Quando lhe disse que antes precisaríamos fazer alguns exames para assegurar que o tumor estava confinado ao pulmão e então validar a indicação de cirurgia, ele desenhou no ar o quadrado do VAR e colocou uma gravação da consulta com o outro colega que recomendara a operação imediata, sob risco de morte. O comentário final definia sua insegurança:
— Se entendi bem, esses exames que o senhor recomenda são uma espécie de VAR para decidir se estou ferrado ou se ainda tenho alguma chance de, pelo menos, ir para os pênaltis. É isso mesmo, doutor?
Uma pena que os cirurgiões não tenham uma central do bisturi para compartilhar a responsabilidade, nem possamos todos recorrer à quarta instância, agora que a segunda e terceira caducaram, justo quando a bola da República foi colocada na marca do pênalti!