O encaminhamento era para falar de transplante, e esta é sempre uma consulta demorada, porque mergulha-se num mundo de dúvidas, com muitas perguntas e uma pressa compreensível de vê-las respondidas, de preferência com uma precisão matemática que não combina com ciência biológica, exposta a variáveis imprevisíveis. Quase sempre o saldo da primeira entrevista beira a euforia, porque o basal de alguém necessitado de um transplante é sempre muito pobre e sofrido. Por experiência aprendemos que a conversa de um candidato ao transplante com alguém já transplantado e da mesma doença é o encontro mais produtivo que se pode oferecer.
Quando o Reinaldo agendou uma primeira consulta, encaminhado pelo clínico do grupo que procedera toda a avaliação e concluíra que ele era um bom candidato, as dúvidas mais comuns estavam resolvidas, mas ele trazia uma pergunta digna de um futurólogo:
– Cinco anos é tudo do que eu preciso, o sr. me garante?
Com cara de quem aprendeu que promessa é compromisso, e que o esquecimento é a salvação do falso profeta, repeti os números que ele já pesquisara no Google:
– O sr. tem cerca de 70% de chance de estar vivo daqui a cinco anos.
Com uma cabeça de empresário, a resposta foi rápida:
– Por cinco anos, eu assino o contrato. Agora!
Não lembro do restante da conversa, mas nunca vou esquecer de que, nove anos depois, tendo desenvolvido um linfoma, perfeitamente tratável, mas relacionado às drogas indispensáveis para prevenir a rejeição, ele foi enfático na cobrança:
– E aí, meu dr., onde o nosso grupo maravilhoso descuidou, permitindo essa complicação?
Como é sempre difícil retrucar sem ofender, e ainda digerir esse combo de impotência nossa somada à ingratidão de quem recebera quase o dobro do pleiteado lá no início, coloquei o comentário na conta de quem estava sofrendo e fui embora calado e carente.
É preciso maturidade e equilíbrio emocional para conviver, sem se deprimir, com a quebra de expectativa dos pacientes.
É preciso maturidade e equilíbrio emocional para conviver, sem se deprimir, com essa quebra de expectativa dos pacientes, que, como seres humanos normais, festejam qualquer promessa de tempo extra, mas não conseguem elaborar, sem pôr a culpa em alguém, quando esse tempo acaba. E isso ocorre em todas as especialidades.
Os avanços extraordinários observados, por exemplo, da oncologia, promovendo sobrevidas longas e produtivas, em portadores de cânceres até há pouco tempo intratáveis, têm produzido essas alternâncias de exultação pela vida retomada e de frustração na presença de uma eventual recidiva. Certo é que raros se lembrarão de agradecer o tempo conquistado.
O agradecimento no sucesso tem menos valor, porque parece mais uma obrigação. Mas podem crer que existem pessoas tão superiores que são capazes de agradecer a intenção de ajudar, mesmo quando dá tudo errado. E é por elas que recomeçamos. Todos os dias. Afinal, são as generosas signatárias do mais nobre dos sentimentos que nos impulsionam: a gratidão.