A morte extemporânea de Moacyr Scliar, em fevereiro de 2011, quebrou uma sequência de crônicas que alimentaram o caderno Vida, de Zero Hora, por mais de duas décadas com erudição, perspicácia, brilhantismo, sensibilidade e polivalência. Substituí-lo era impossível, mas havia que preencher, de algum jeito, o inominável vazio. E então, durante meses, ocupamos o lugar, em revezamento com mais três colegas.
No final de novembro de 2011, fui convidado a assumir a vaga, interrompendo o rodízio. Habituado a escrever esporadicamente quando movido por algum sentimento, em geral indignação, fiquei muito assustado com a ideia de cumprir agenda e até argumentei que achava mais prudente um período de testes. Sugeri seis meses, o que não foi aceito (e que pena, dirão meus inevitáveis desafetos!). Serei sempre grato à insistência do Nilson Souza e do Marcelo Rech, e aos meus inesquecíveis Maurício Sirotsky Sobrinho, Eunice Jacques e Paulo Sant'Anna, incentivadores da primeira hora.
Quatrocentos e sessenta crônicas depois e oito anos e 10 meses mais velho, chegamos aqui, para comemorar a 1500ª edição do Vida, com a convicção gratificante de termos tentado contribuir, com as nossas limitações, para uma mídia informativa, educadora e consciente. Esta percepção seria pretexto para uma comemoração completa, se não fosse o sentimento irremovível de que poderíamos ter sido mais. Que a consciência plena disso nos absolva.
Aquele desafio, aceito em momento de maturidade profissional, alcançou-me com quase 40 anos de atividade médica intensa em alta complexidade, e esse tempo de exposição à vida na sua forma mais crua e, por consequência, mais comovente, forneceram subsídios e histórias que deram à ela justificativa e transcendência.
Olhando retrospectivamente, a intenção inicial de tentar emprestar à medicina o humanismo que tecnologia apressada e presunçosa surrupiara rendeu muitos frutos, e mesmo quando foi julgada fútil deixou cair sementes que, no futuro, vingarão.
O compromisso de crônica semanal certamente contribuiu para que me tornasse uma pessoa mais atenta, mais afeita a ouvir e, pelo cultivo da empatia, menos disposta a julgar.
Especialmente o convívio diário com os pacientes transplantados ou candidatos ao transplante, e os portadores de câncer em seus diferentes estágios, permitiu acesso à vulnerabilidades que os leigos sadios desconheciam, e que de alguma maneira se sentiram tocados ao descobri-las.
O retorno constante que recebi através de dezenas de mensagens semanais serviu de estímulo a compartilhar as lições de coragem, covardia, tristeza, euforia, esperança e resignação que temperam o cotidiano de quem chegou ao limite do desespero, em busca da sobrevivência. E tudo isso com o cuidado extremo de preservar a identidade dos personagens.
Com o interesse pela vida assegurado pela imprevisibilidade do futuro, é sempre prudente renovar a gratidão aos amigos que, espontaneamente, se apresentaram para o elogio estimulante ou para a crítica construtiva. O apoio deles serviu de lenitivo que sublimou a revolta dos que não admitem ser contrariados e anunciam repúdio, mas, vá lá saber porquê, continuam a ler-nos. A interação com os leitores abriu a porta para o afeto e, algumas vezes, para o protesto, quando o desfecho do relato não era o esperado. Mas a história nunca poderia ser modificada, porque a vida tem dessas manias de ser como é, intolerante com as propostas dos que opinam como gostariam que ela fosse.
Mas enfim, como anunciou Hannah Arendt, "toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história".
Então, sigamos de coração exposto às histórias tal como virão, porque na vida real não há oásis na travessia do deserto. Mas tomara que, mesmo assim, conservemos intacta a esperança.