Ainda por estes dias disse a uma paciente que a tosse devia ser da sua bronquite em conflito com o inverno, que justo agora bateu à porta, quando já havia quem cogitasse que ele nos tivesse esquecido. E que me ligasse se sentisse alguma dificuldade respiratória, ou algum aperto no peito. Ela ficou quieta um tempo, ajeitou a máscara e anunciou:
— Aperto no peito eu sinto desde o dia 12 de março, quando abracei meus netos e meu velho me levou para Gramado para uma quarentena, que ninguém podia prever quanto duraria. Desde então, a bombinha só me acelera o coração, mas o aperto nunca mais foi embora!
É possível que, ao final deste tempo maluco, descubramos coisas boas que herdamos da amargura. Mas por ora, o que percebemos é o que perdemos, e nada nos machuca mais do que o amor reprimido.
Ficou doendo em mim a tristeza do choro daquele avô, que não precisei conhecer para me identificar com seu sofrimento.
Um amigo querido, com dois filhos pequenos, organizou uma excursão generosa em que os filhotes seriam levados para serem vistos pelos avós que lamentavam a insuportável saudade deles. O encontro foi na frente da casa dos velhinhos, com a cerca metálica impondo a distância regulamentar e contendo a vontade desesperada de abraçar. Depois de uns 15 minutos de um falatório desorganizado que misturava promessas e declarações de amor, o ritual terminou com muitos beijos gesticulados.
No dia seguinte, ele ligou para a casa dos pais. Quando quis saber como estavam, a mãe confidenciou:
— Eu estou bem, meu filho, mas me preocupa teu pai. Desde que vocês foram embora, ontem, ele não parou mais de chorar. E quando lhe perguntei o que ele sentia, ele me disse: “Nenhuma dor. Eu choro de pura tristeza!”.
As perdas afetivas, dolorosas em qualquer idade, são multiplicadas na velhice, quando a noção inevitável da proximidade do fim dos tempos elimina a resiliência. E deixa exposto o nervo do tempo perdido, numa fase da vida em que se pode aparentar serenidade, mas no fundo não se tolera desperdício de afeto. De nada serve argumentar que tudo passará e que, se Deus quiser, (e como saber se Ele, quererá?), poderemos compensar esta espera sofrida com abraços redobrados.
A pressa afetiva é uma marca da velhice sensível, e a promessa de resgate do tempo perdido não convence, não numa fase em que cada semestre conta. Porque afeto transferido é amor desperdiçado. Ficou doendo em mim a tristeza do choro daquele avô, que não precisei conhecer para me identificar com seu sofrimento. Com tão boa causa, choraríamos juntos.