O Asdrubal era de Colônia do Sacramento, a mais antiga cidade uruguaia. Fundada pelos portugueses em 1680 e declarada Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco em 1995, esta cidade foi motivo de uma acirrada disputa entre portugueses e espanhóis, na qual ambos queriam obter mais domínio territorial para os seus já poderosos impérios. Nascido de família rica, Asdrubal graduou-se em filosofia pela Universidade de Buenos Aires. Continuou por mais uns 12 anos lá, onde foi um notívago, encantado pela música, pela arte e, claro, pela boemia.
Foi uma daquelas consultas as quais gostaríamos que não acabasse, poupando-nos da volta ao corriqueiro e a este enfaro das pessoas que dormem sempre no mesmo horário, e têm responsabilidades, e se parecem com gente.
Com 81 anos, Asdrubal veio consultar sozinho. Era um homem elegante e genuinamente refinado, sem afetação. Impossível acertar-lhe a idade pela postura descontraída e pela marcha ereta e digna.
Só quem sabe o quanto a noite é delicada consegue ser generoso durante o dia.
Quanto a filhos, disse que “era provável que os tivesse, mas lhes faltava o reconhecimento, e por isso, não tinha ninguém que o acompanhasse”. Não havia mágoa na informação, apenas a necessidade de um rápido olhar no vazio ao fim deste comentário.
Fumante inveterado, prometera a si mesmo parar, mas protelara, quase sem culpa, e por fim, quando se descobriu doente, concluiu que agora não adiantaria, e então seguiu fumando, mas, com a cara mais debochada, anunciou que, cuidadoso reduzira de quatro para três carteiras diárias.
Trazia uma tomografia que mostrava um tumor de cinco centímetros no pulmão esquerdo, com vários gânglios entre os pulmões, maiores do que o próprio tumor. No fim da tarde do terceiro dia de internação, recebi os resultados dos exames que incluíam uma punção pulmonar e uma avaliação de corpo inteiro.
Com as suspeitas diagnósticas confirmadas, fui visitá-lo no fim da tarde e, preocupado com a solidão da noite, anunciei que o patologista me prometera o resultado para a manhã seguinte. Cedo da manhã, o encontrei já de banho tomado e vestido como para uma noitada de festa.
Quando lhe expliquei que era mesmo um tumor, não cirúrgico, pelo tipo de células encontradas, e que deveria tratar-se com quimioterapia e radioterapia, com ótima expectativa de resposta porque os tumores de células pequenas eram assim, ele fez um silêncio resignado, indispensável à metabolização das notícias. As ruins mais do que as outras.
Depois de uma longa conversa sobre onde ser tratado, duração do tratamento e necessidade de revisões, nos despedimos.
— Claro que o senhor já sabia de tudo isso quando esteve aqui ontem à tardinha – o Asdrubal me disse. — Então deixe-me agradecê-lo por ter-me permitido dormir uma noite a mais com alguma esperança.
Antes que eu respondesse, ele completou:
— Sendo um homem da noite, aprendi o quanto ela é delicada e lhe asseguro que só os capazes de protegê-la conseguem ser generosos durante o dia.