“O homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez, enquanto os covardes morrem muito, antes de morrer.” (Shakespeare, em Júlio César)
“Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo que esteriliza os abraços.” (Carlos Drummond de Andrade)
Se viver é um estado de permanente descoberta, nestes tempos medonhos descobrimo-nos medrosos de um jeito que não precisava ser tanto. E ninguém acredita quando tentamos convencer que este tremor é só por causa do frio, que acabou de chegar. Agradecemos que as máscaras escondam nossas caras de medo, mas sabemos o quanto os olhos são delatores.
Temerosos de que os tempos do abraço não voltem mais, nos tornamos equilibristas nas escadas rolantes da vida, por puro medo do corrimão, tocado sabe-se lá por quantas mãos que, graças a Deus, estamos proibidos de apertar. Pelo menos até isso tudo passar, se é que um dia passará.
E torcemos que o elevador não venha carregado para não termos de improvisar aquela cara de desculpe, eu não vou subir agora, obrigado. E quando o elevador finalmente chega vazio, ficamos rezando que nenhum inconveniente decida interromper a marcha até o nosso andar. E por garantia não respiramos durante o trajeto, porque a televisão avisou que, em ambientes confinados, o vírus pode ficar flutuando durante muito tempo.
E, na fila do caixa, ficamos irritados com a quantidade de gente que não tem noção do que seja uma distância de dois metros, pô!
E aceleramos o passo para aproveitar a brecha da porta automática, para passar sem tocar nessa promíscua que, despudoradamente, se permite apalpar por mãos devassas que deixam suas maçanetas carregadas de vírus.
Temos medo da rua e de receber um descuidado que venha de lá. Tememos o inverno que sempre traz uma gripe que pode se parecer com aquilo que nem queremos falar o nome. E não confessamos o medo que a primavera ainda nos encontre com esta cara de susto. E desconfiamos do vento, esse dissimulado que pode estar trazendo pra perto o que queremos bem longe.
Morremos de medo de adoecer porque, com a pouca sorte dos últimos tempos, como saber se a roleta chinesa do destino não vai nos colocar entre aqueles 5% que morrerão? Não suportamos mais as imagens fúnebres dos noticiários, com aqueles especialistas em dar notícia ruim com ar de indiferença. Mesmo que lá pelas tantas um deles aparente emoção com a tragédia, nosso preconceito só verá fingimento.
Se faltar estímulo, lembre-se: depressão abaixa a imunidade e anima o vírus.
Depois de um tempo, nem sabemos se mais tememos contaminar ou ser contaminados, e então misturamos o medo surreal da doença com a tristeza verdadeira da solidão.
Dando a cada um o direito de assumir ou dissimular seu temor, estamos, de certa forma, todos inscritos no Congresso Internacional do Medo, uma das mais lindas poesias de Drummond, que termina assim: “Temos medo da morte, e medo do depois morte. E depois morreremos de medo. E sobre os nossos túmulos, crescerão flores amarelas. E medrosas”.
E assim, dia após dia, de parágrafo em parágrafo, vamos plantando a desesperança que só servirá para azedar o trajeto, porque a única certeza que até o pessimista tem é que sairemos dessa. E se isso é inevitável, que tal começarmos a nos preparar para rir, no futuro, desse medo que hoje nos amordaça, atormenta e ridiculariza?
Esta mudança de estado de espírito não virá por decreto governamental. Então, melhor que cada um assuma a sua cota na resignação ao medo que nos envergonha, vista o paletó esperança e anime-se. Se faltar estímulo, lembre-se: depressão abaixa a imunidade e anima o vírus.