As verdades fundamentais devem mesmo ser recontadas para que não sejam descartadas na lata do lixo do esquecimento. Assim fazem as religiões, repetindo as mesmas orações ao longo dos séculos.
A lição oferecida por Bismark a Luiz Sáenz Peña, durante sua visita à Alemanha no final do século 19, figura nessa galeria de ensinamentos inesquecíveis. Como presidente eleito da Argentina, durante um curto período (outubro de 1882 a janeiro de 1885), e enfrentando grave crise econômica, ele viajou à Europa com o propósito de apresentar sua nação como o maior produtor de grãos do mundo, àquela época.
De volta para casa, se confessou decepcionado com a recepção do Chanceler de Ferro que, numa audiência relâmpago, lhe fizera uma única pergunta:
— Como é a justiça no seu país?
Mais de um século depois, nenhuma pergunta define melhor e de maneira mais sintética como uma nação merece ser vista aos olhos do mundo. Se não há justiça, nada funciona de maneira confiável, além de que, como já referiu alguém, na falta dela, é muito perigoso ter-se razão.
Raras coisas causam mais insegurança do que a percepção de que nada é bem como parece e que as verdades deixaram de ser absolutas, porque estarão sempre pendentes de interpretações, e aparentemente condicionadas a fatores tão subjetivos quanto o humor de vossa excelência, o juiz.
O maior dos desencantos que possam assolar um país, invariavelmente, é decorrente da frustração de não ter em quem confiar, e na ausência de alternativa, só lhe resta rezar antes de dormir com ao menos um olho aberto.
O maior dos desencantos que possam assolar um país é decorrente da frustração de não ter em quem confiar.
A comparação com países mais desenvolvidos só serve para aumentar o desalento, ao se constatar como eles souberam evitar a barafunda de leis e decretos que possibilitam o absurdo de situações opostas terem ambas argumentos inteligíveis, defendendo-as.
A grande mídia, presumivelmente preocupada com o andar cambaleante da nossa estabilidade institucional, tem omitido em rede aberta os relatos fartamente documentados nas redes sociais, de multidões ocupando a principal avenida da maior cidade do país, em cerimônias grotescas de espancamento de bonecos representativos dos ilustres representantes da Suprema Corte.
E tudo ao som do Hino Nacional, que aliás nunca foi tão cantado como agora, a denunciar a emergência de um nacionalismo febril, com ares de revanche aos que não se conformam com a mudança.
Ou essa tendência da grande mídia de mostrar apenas um dos lados dos protestos tem interesses menos nobres?