As conclusões da Polícia Federal no inquérito que Alexandre de Moraes mandou abrir para apurar “crimes contra a democracia” por parte de redes sociais são mais uma prova do grau de deformação a que o STF reduziu a atividade policial. O inquérito nunca poderia ter sido aberto, pois se destinava a investigar um crime que não existe – dar opinião sobre uma lei em discussão no Congresso. A polícia também não poderia escrever o relatório que escreveu. As provas apresentadas são notícias da imprensa e as opiniões de uma repartição universitária do Rio de Janeiro que funciona como célula política.
A banalidade com que a autoridade pública trata a violação permanente das leis no Brasil acabou produzindo um fenômeno curioso: a cada inquérito que faz, a Polícia Federal fica mais parecida com o ministro Alexandre de Moraes. Não tenta mais fazer o trabalho que se espera da polícia. Sua preocupação é ser uma espécie de assistente de acusação. Moraes quer que a gente descubra isso ou aquilo? Então vamos descobrir exatamente o que ele quer.
O inquérito das redes sociais é mais uma joia na coroa
Essa aberração está levando a PF a produzir conclusões cada vez mais aberrantes. Já saiu dali, por exemplo, a “aparente agressão” que teria sido feita contra Moraes no aeroporto de Roma. Os policiais também dizem, com toda a seriedade, que descobriram estilingues e bolas de gude com os “golpistas” do dia 8 de janeiro. Tornaram-se os maiores especialistas do planeta na apreensão de celulares, notebooks e passaportes. Conseguiram a “delação premiada” de Mauro Cid, uma bomba de hidrogênio que destruiria o bolsonarismo; até hoje não se sabe o que foi delatado. O inquérito das redes sociais é mais uma joia na coroa. “As grandes empresas de tecnologia, nomeadamente Google e Telegram”, concluiu a PF, “adotaram estratégias impactantes e questionáveis contrárias à aprovação do Projeto de Lei 2.630” – o da censura das redes sociais, um sonho de Lula, de Moraes e, como se vê agora, da PF.
Deixe-se de lado anomalias como o uso da expressão “questionáveis”, julgamento de valor que não cabe a polícia fazer. A demência é acusar alguém de ser contra a lei da mordaça. Acusar Google e Telegram de serem contra o PL 2.630 é o mesmo que acusar um deputado de subir à tribuna e exigir a rejeição do texto defendido pelo governo. Como não dá para dizer, oficialmente, que Google e Telegram praticaram um delito de opinião, a polícia acusa as duas empresas de crimes contra as “relações de consumo” e “abuso de poder”, embora não tenham poder para dar uma multa por estacionamento proibido. Mas é a esse nível que se desce, quando os governos criam uma polícia política.