Se o governo Lula tivesse alguma preocupação em manter as aparências em matéria de decoro, integridade e respeito à população em geral, o ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski teria de ser mantido em quarentena perpétua diante de qualquer cargo da administração pública. Mas o governo Lula não tem a mais remota preocupação com nenhuma dessas coisas. O resultado é que Lewandowski, em vez de ser proibido de chegar a menos de mil quilômetros de Brasília, foi nomeado ministro da Justiça pelo presidente Lula. Seria o chamado “fundo do poço” — se houvesse algum fundo no poço deste governo.
Como é possível que um cidadão que até outro dia estava no Supremo Tribunal Federal possa se tornar, imediatamente depois de se aposentar do seu cargo, advogado de um cliente como a J&F?
Lewandowski, acredite quem quiser, é advogado da J&F — a empresa que controla a JBS dos irmãos Batista. A JBS é a maior produtora de carne do mundo. Os irmãos Batista são veteranos frequentadores da Justiça penal brasileira. Como é possível que um cidadão que até outro dia estava no Supremo Tribunal Federal possa se tornar, imediatamente depois de se aposentar do seu cargo, advogado de um cliente como a J&F?
A empresa dos irmãos Batista tem uma causa de R$ 15 bilhões na Justiça; só os honorários dos advogados da parte vendedora estão fixados em R$ 600 milhões. Em 2017, apertada pela obrigação de pagar R$ 11 bilhões ao Tesouro Nacional para se livrar de processos criminais por corrupção ativa, a J&F foi obrigada a vender propriedades. Uma delas foi a indústria de celulose Eldorado, no Mato Grosso do Sul — vendida pelos irmãos Batista à empresa indonésia Paper Excellence. O problema é que eles venderam, mas não entregaram.
A J&F, tempos depois de fechar o negócio, viu a sua situação penal e econômica melhorar. Hoje, inclusive, estão no céu: o ministro Antonio Toffoli simplesmente anulou a sua obrigação de pagar a multa que devia pela leniência recebida nos processos de corrupção. Houve, também, um aumento nos preços internacionais da celulose. Somadas umas coisas às outras, os irmãos desmancharam a venda, convencidos de que com os advogados, os juízes e os políticos certos, iriam deitar e rolar na Justiça contra um adversário estrangeiro.
É onde estamos: sete anos depois de vendida, a Eldorado não foi entregue. Qual a imparcialidade que se pode esperar do STF num caso desses? O advogado dos irmãos Batista circula ali dentro como em sua casa, depois de 17 anos no cargo de ministro e ligação próxima com os colegas que estão lá hoje. Melhor ainda que advogado, ele é hoje o novo ministro da Justiça. Soma-se o ministro Toffoli a isso tudo, e a coisa fica fechada pelos sete lados. É essa a democracia brasileira que o STF e Lula salvam todos os dias.