O crime organizado está sempre um passo (ou vários) à frente dos agentes da lei. Ou não teria esse nome. Mas até as grandes organizações do submundo têm seus períodos de desgraça. O momento não é favorável para grandes exportadores de cocaína que usam o território gaúcho como rota. Graças à paciência e dedicação de agentes da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, dois homens apontados como líderes de um esquema de transferência de toneladas de drogas para a Europa foram presos nos últimos meses. E um deles acaba de ser extraditado, para cumprir pena no Brasil.
As ações da PF são decorrência da Operação Hinterland (sertão, em inglês), deflagrada em 2023 para interromper o fluxo de cocaína enviada, via marítima, do Rio Grande do Sul para a Europa. É uma investigação gigantesca. A primeira etapa teve o cumprimento de 534 ordens judiciais, entre mandados de prisão preventiva executados no território gaúcho, em Santa Catarina, Paraná, Amazonas e Rondônia, bem como na cidade de Assunção (Paraguai) e em Dubai (Emirados Árabes). Foram sequestrados 87 bens imóveis, 173 veículos, uma aeronave, bloqueios de contas bancárias vinculadas a 147 CPFs e CNPJs, 66 bloqueios de movimentação imobiliária de 66 pessoas físicas e jurídicas, totalizando a execução de 534 ordens judiciais.
O delegado Aldronei Rodrigues, superintendente regional da PF, calcula que a Hinterland resultou na perda de R$ 3,8 bilhões por parte dos criminosos. Alguma ideia do que significa esse dinheiro? Calculei. Daria para construir 100 mil casinhas populares para destinar a flagelados pelas enchentes.
O primeiro tubarão a ser preso é um paraguaio que tem fazendas e empresas no seu país. Ele é suspeito de coordenar o envio de 17 toneladas de cocaína para a Europa, por meio de navios – inclusive com uso de portos no Rio Grande do Sul. Ele foi capturado em março de 2023 e esta semana transferido do Paraguai para Caxias do Sul, para depoimentos. Dali será enviado a presídio federal de segurança máxima.
O segundo peixe grande na rede de investigações da PF é um albanês, radicado em Dubai (Emirados Árabes). Lá ele atuava como CEO de uma empresa de pré-moldados metálicos. As autoridades acreditam que era só fachada, para disfarçar compra de cocaína e envio dela à Ásia e à Europa. Ele foi preso graças a um pedido elaborado por policiais federais do Rio Grande do Sul, mas continua no Oriente Médio, e o Brasil pediu sua extradição. Os defensores de ambos alegam que são inocentes.
Essas ações da PF, além de impactantes, só são possíveis graças à sistemática cooperação com a Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal), rede de colaboração formada por policiais federais de 196 países. Quando o sujeito está com pedido de prisão e escapa para outra nação, seu nome é colocado numa lista vermelha. A captura fica muito mais fácil, embora em alguns casos a Justiça seja reticente ou não permita a extradição. Mas os policiais são como água na pedra. Tanto batem até que furam a carapaça elaborada pelos criminosos. A Operação Hinterland está aí para mostrar.