A fuga do apenado Tiago Benhur Flores, um dos líderes da maior facção criminosa gaúcha, desencadeou um intenso debate nas redes sociais. Condenado a 153 anos de prisão (inclusive por financiar a construção de um túnel que poderia desencadear uma fuga em massa do Presídio Central de Porto Alegre), o apenado estava em casa desde 22 de julho, em prisão domiciliar "por razões humanitárias". Rompeu a tornozeleira eletrônica e sumiu dia 25, não sendo localizado até agora.
Policiais de todas as esferas se revoltaram, já que Benhur é o terceiro chefe da mesma facção a fugir da "prisão domiciliar" em pouco mais de um ano. Os outros dois foram recapturados pela Polícia Civil. Os três criminosos alegaram doença para conseguir, via Judiciário, permissão para sair do presídio e ficarem detidos em casa (de onde escaparam).
No caso de Benhur, ele alegava fortes dores na coluna, que já tinham inclusive motivado cirurgias em três vértebras, por artrose e hérnia de disco. Como não existe mais hospital penitenciário, foi transferido a um hospital comum, submetido nova intervenção cirúrgica e, ainda no período de recuperação, deixado em casa para recuperação. Aí ocorreu a fuga.
A coluna foi procurada por alguns advogados que defendem com veemência o direito à "prisão domiciliar por razões humanitárias". Um dos que assume isso é Santo Viríssimo Camacho Rodrigues, com mais de 40 anos de júris e defesas de réus acusados de tráfico. Ele e a filha, Sabrina Camacho (que trabalha no mesmo escritório), conseguiram, ao longo dos últimos anos, com que mais de 60 apenados fossem liberados para cumprir pena em casa. A maioria absoluta alega questões de doença. É o caso de Benhur, que é defendido por Viríssimo em vários processos judiciais.
As doenças são reais, alega Sabrina, mesmo que essa não seja a opinião vigente entre grande parte da população. As liberações só acontecem quando acompanhadas de laudo médico que ateste a moléstia. O tratamento fora da prisão está previsto no artigo 14 da Lei de Execuções Penais (LEP), que diz: "Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para promover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento".
Acontece que a maioria das casas prisionais sequer tem enfermaria, argumenta Santo Viríssimo. O advogado também repudia a tese de que o estratagema é propositalmente usado para fugas. Ele afirma que a maioria dos apenados sofre realmente com problemas como ferimentos e doenças, sem terem onde se tratar. Em alguns casos, como teria ocorrido com Benhur, esperam quase uma década pela cirurgia pretendida, no vaivém de recursos judiciais para garantir a internação e posterior recuperação em casa.
Em alguns casos, presos morreram à espera de tratamentos médicos requisitados, assegura Sabrina. Faltam também escoltas da Polícia Penal aos doentes, por carência de funcionários, acrescenta.
Os advogados ouvidos pela reportagem (alguns não quiseram se identificar, por temor de represálias) alegam que não são responsáveis pela fuga de apenados. As escapadas ocorreriam mediante oportunidade, não por planejamento, asseguraram ao colunista.