A operação desencadeada pelo Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil gaúcha, na manhã desta quarta-feira (10), confirma que, acima das rivalidades, as facções criminosas brasileiras atuam também com pragmatismo. A compra de drogas e armas no Exterior requer logística que não funciona quando a guerra entre as quadrilhas está no auge. E isso fica claro na aliança de ocasião entre a maior facção gaúcha, Os Manos (originária do Vale do Sinos), e a predominante em Santa Catarina, o Primeiro Grupo Catarinense (PGC).
Investigações mostram que esses dois agrupamentos criminosos trabalham em consórcio para trazer drogas da Bolívia e armas do Paraguai, entre outros quesitos. É curioso, porque o PGC é inimigo visceral do Primeiro Comando da Capital (PCC) — que dá suporte, em nível nacional, a Os Manos.
Traição? Não. São as alianças de ocasião, acima das rivalidades. É que o contrabando é feito por criminosos experientes, com tentáculos no Exterior e que muitas vezes não são ligados a facções. Vou citar apenas um desses "capos", o barão das drogas Jarvis Pavão. Ele ficou conhecido por dominar o processo do tráfico no Paraguai, desde a plantação de maconha em fazendas até o envio da droga e armas para o Brasil. Já vendeu para o PCC e também para o maior rival dessa facção, o Comando Vermelho (CV). Essas duas organizações disputam o controle criminoso da fronteira paraguaia com a brasileira.
Pavão era o que os policiais chamam de matuto, o contrabandista ou atravessador, que vende por atacado. Chegou a ter uma cela privada dentro da Penitenciária de Tacumbu, em Assunção (capital paraguaia), com TV de plasma, frigobar, sala de jantar, biblioteca, cozinha particular e cama de casal.
Tanto negociou que acabou sendo alvo de atentados. Hoje Pavão está numa penitenciária de segurança máxima no sistema federal brasileiro. Mas existem outros como ele.
As investigações do Denarc indicam que o português preso no próprio país durante ação desta semana é um grande receptador de cocaína, produzida nos Andes, enviada ao Paraguai, contrabandeada para o Brasil e de alguma maneira introduzida na Europa. Um homem assim obedece a facções? Com esses contatos, posso apostar que não. Ele paira acima das guerrilha cotidiana do varejo das drogas.