A Polícia Federal (PF) nega ter firmado acordo de colaboração premiada com o ex-PM Ronnie Lessa, suspeito de ter apertado o gatilho da metralhadora que matou a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e o motorista dela, Anderson Gomes. Os dois foram emboscados dentro do veículo da parlamentar, em março de 2018, no Rio de Janeiro.
Um ano depois, Lessa e outro ex-policial militar, Élcio de Queiroz, foram presos como envolvidos no duplo assassinato. Contra eles pesa, principalmente, o rastreamento de um veículo visto na cena do crime e o GPS de celulares, que aponta que estavam no cenário dos tiros.
O fato de a PF negar que tenha firmado acordo pode ser uma meia-verdade: a delação ainda não foi homologada. Melhor tanto para as investigações como para o próprio Ronnie Lessa, um arquivo ambulante, que a colaboração permaneça em sigilo. Por enquanto.
O outro ex-policial envolvido, Queiroz, teve sua colaboração firmada com a PF e homologada pelo STF em julho do ano passado. Ele detalhou como Marielle foi seguida durante meses, o momento do assassinato, o périplo dos assassinos para se livrarem do veículo. Fez acordo porque teme passar o resto da vida na cadeia e, assim mesmo, em risco. Ele é quem aponta Lessa como o autor dos tiros contra a vereadora e seu auxiliar. Concordou também em apontar mandantes, em partes do depoimento que ainda estão sob sigilo.
Surgiram agora na mídia vazamentos do que seria a delação de Ronnie Lessa (mesmo que não oficializada). Há toda uma expectativa de que ele aponte Marielle como vítima de um complô político-eleitoral de alcance nacional, arquitetado por líderes de extrema direita como um recado contra seus arqui-inimigos de esquerda. Pode ser mais simples, no entanto. As conversas preliminares dos envolvidos confessos no crime apontam que a vereadora foi morta por denunciar especulação imobiliária no Rio de Janeiro. Uma questão local e que há décadas motiva assassinatos na Cidade Maravilhosa.
Como se sabe, milícias de todos os calibres, formadas pela união de políticos e policiais (ou ex-policiais), costumam convencer ocupantes de terrenos a desocuparem as áreas, sob ameaça de morte. Agem como testas de ferro de construtoras. Marielle se insurgiu diversas vezes contra essas práticas, inclusive organizando moradores contra o avanço dos que tentavam desalojá-los.
A mídia do Rio tem falado nomes dos possíveis mandantes do duplo assassinato de 2018. Entre eles, o de um veterano político com foro privilegiado, que já foi investigado na CPI das Milícias feita pela Câmara de Vereadores do Rio — e na qual Marielle teve atuação destacada como assessora do líder das investigações, o então vereador Marcelo Freixo (hoje no PT).
Esse político das antigas e seus familiares, que agem muito mais por pragmatismo do que por ideologia, teriam se sentido prejudicados pelas denúncias de Marielle após ela se tornar vereadora. Sobretudo porque ela fez muitos votos no curral eleitoral deles. Em resumo: uma questão fundiária estaria por trás do crime badalado e não uma conspiração ideológica de amplo espectro, com atores nacionais. Tampouco teria a ver com homofobia, como chegou a ser cogitado (Marielle era casada com uma mulher). A ver as cenas dos próximos capítulos (e delações).