A menos de dois meses para que o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes complete seis anos, a delação do ex-policial militar Ronnie Lessa, apontado como executor do crime, pode colocar um ponto final no caso, conforme informações do jornal O Globo.
Desde que a Polícia Federal (PF) passou a conduzir a investigação, em fevereiro do ano passado, os procedimentos para que Lessa concordasse em revelar o mandante do crime já estavam em progresso. No final de 2023, o ex-policial militar optou por formalizar o acordo de colaboração premiada.
A delação está sob análise no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que sugere que a pessoa apontada como responsável pela execução da parlamentar possui foro privilegiado por prerrogativa de função.
A colaboração de Lessa sobre o mandante do crime pode contribuir para que a investigação seja encerrada. Para que isso ocorra, as informações fornecidas pelo ex-policial militar devem ser corroboradas pelos agentes federais do Grupo Especial de Investigações Sensíveis (Gise), equipe especializada na resolução de casos complexos.
Antes de Lessa, a Polícia Federal já havia obtido a colaboração de outro ex-policial militar, Élcio de Queiroz, que admitiu ter dirigido o veículo utilizado na emboscada contra a vereadora.
Em seu acordo, Queiroz mencionou o nome do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão como envolvido na morte de Marielle. Devido ao foro privilegiado de Brazão, existe a possibilidade de que Lessa também tenha citado o nome dele. A delação encontra-se sob análise do ministro Raul Araújo, do STJ.
Nome já citado
Brazão já estava sob investigação antes da delação, sendo alvo da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio e da Polícia Federal, mas nada havia sido efetivamente comprovado contra ele.
No contexto desse caso, a PF investigou a diligência da Polícia Civil do Rio na apuração da primeira fase do caso Marielle, ação denominada "investigação da investigação". Em 2019, o delegado Leandro Almada, atualmente superintendente da Polícia Federal do Rio, elaborou um relatório de 600 páginas sobre o assunto.
O relatório apontou Brazão como o "principal suspeito de ser autor intelectual dos assassinatos da vereadora e do motorista".
Brazão sempre negou a participação no crime. Ele já havia sido denunciado pela então procuradora-geral da República (PGR), Raquel Dodge, em 2019, por atrapalhar a investigação, mas a Justiça do Rio rejeitou o pedido.
Farsa
Após uma investigação intensa, o delegado Leandro Almada apurou que haveria uma farsa elaborada para incriminar o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, conhecido como Orlando da Curicica, como executor, juntamente ao então vereador Marcello Siciliano (PHS). Os dois chegaram a ser investigados pelo assassinato da parlamentar.
O relatório indicou que o ex-policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, também conhecido como Ferreirinha, apresentou-se como testemunha para fabricar uma versão falsa contra Curicica, que havia sido seu ex-chefe, com o objetivo de assumir o território do miliciano após sua prisão.
Três delegados da Polícia Federal, que não estavam envolvidos na investigação do crime contra Marielle e Anderson, apresentaram Ferreirinha aos delegados da Polícia Civil. Ele foi acusado de obstrução à Justiça.
Atualmente como superintendente da Polícia Federal, Almada designou o Gise para identificar o mandante do crime, após receber essa missão do então ministro da Justiça, Flávio Dino, e do presidente Lula. Cerca de duas semanas atrás, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, estabeleceu o prazo até março para a resolução do caso.
Essa informação reforçou a possibilidade de a delação de Lessa já estar em andamento. Além de Brazão e Siciliano, a Polícia Civil também investigou o ex-bombeiro e ex-vereador Cristiano Girão.
Contraponto
Procurado pela reportagem do jornal O Globo, Domingos Brazão disse estar confiante na Justiça:
— Depois das famílias de Marielle e Anderson, posso garantir que os maiores interessados na elucidação do caso somos eu e minha família. Tenho fé que, se houver mesmo essa delação, que, graças a Deus, isso termine logo — afirmou.
Quem é Ronnie Lessa?
Ronnie Lessa é apontado como o executor da vereadora e do motorista Anderson Gomes. Quando foi preso, em 2019, a Divisão de Homicídios encontrou 117 fuzis incompletos na casa de um dos seus amigos, na zona norte do Rio. Lessa foi condenado a 13 anos e seis meses de prisão por comércio ilegal de armas.
Em 2021, o ex-PM foi condenado por destruição de provas relacionadas ao caso Marielle. Nesse ano, Lessa foi expulso da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Quem é Domingos Brazão?
Domingos Inácio Brazão pavimentou sua trajetória política nos subúrbios e na zona oeste do Rio. Foi em alguns dos bairros mais pobres e afastados do centro que o hoje conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado conseguiu os votos que lhe deram o primeiro mandato, de vereador, em 1996. Em abril de 2015, foi eleito conselheiro do TCE — cargo vitalício, com garantias semelhantes às que protegem os magistrados do Judiciário —, com 61 votos.
Ele foi posto no centro do caso Marielle Franco depois que Dodge o denunciou por supostas obstruções nas investigações do assassinato.
Até hoje mantém influência política, por meio dos irmãos Chiquinho Brazão, deputado federal, e Pedro Brazão, deputado estadual. Em eleições passadas, chegou a emprestar o sobrenome a outros candidatos sem parentesco com ele. Outras acusações recorrentes são de ligação com milícias, que atuam em bairros onde tem muitos votos.
Em 29 de março de 2017, ele foi um dos alvos de operação que prendeu e afastou cinco conselheiros do TCE acusados de corrupção.