Todo país do mundo tem um serviço de informações. Isso vale para o comunismo, o fascismo, a democracia liberal, o islamismo e todos os tipos de regimes. O Estado precisa estar ciente das ameaças que pairam sobre a nação e isso não é serviço cotidiano de polícia. É preciso ter um setor específico para cuidar de tema tão delicado. E, por isso, existem repartições como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
A Abin não tem poder de polícia, como os serviços de informações mundo afora também não têm. Não é como nos filmes, em que o espião captura e mata o inimigo. Não é missão desses agentes prender, apenas informar. Deveriam se reportar ao Estado, seja quem for o ocupante do cargo mais importante da nação, mas na prática essas agências costumam se submeter aos caprichos do governante de plantão. Viram informantes do governo e não do Estado.
É o que parece ter acontecido durante o governo Jair Bolsonaro (PL), a se julgar por investigações recentes da Polícia Federal (PF). Elas apontam que setores da Abin se dedicaram a rastrear eletronicamente, via monitoramento de celulares, integrantes dos poderes Judiciário e Legislativo, para informar os passos deles ao Executivo. Uma vigilância intensiva sobre quem o bolsonarismo via como adversário.
Convenhamos, não é de hoje que esse tipo de postura acontece. A espionagem existiu inclusive a serviço de governos adversários de Bolsonaro, embora o caso específico em investigação, no momento, seja da gestão dele. A Abin, sempre bom lembrar, é sucessora do Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura civil-militar implantada em 1964. A grande diferença é que a agência nasceu em tempos democráticos.
O SNI, do qual conheci alguns integrantes, se dedicava a indicar ao governo dos generais quem falava mal do regime. E isso poderia resultar em várias coisas: expurgos do trabalho, prisões e até mortes. Uma situação não muito diferente do que acontece ainda hoje na Rússia ou na China, para ficar em dois exemplos.
Só que o Brasil vive numa democracia formal. Os arapongas da Abin devem vigiar, inclusive pelo estatuto da agência, inimigos reais e não adversários políticos (muitas vezes imaginários) do governante que ocupa o cargo por quatro anos. Por isso é importante esse trabalho da PF. É preciso profissionalizar os agentes, não deixá-los agindo ao sabor de duvidosos humores presidenciais.