Caso eu ou você tenhamos a intenção de visitar a sede do Ministério da Justiça teremos de dar explicações e apresentar documentos várias vezes. Mas a regra parece que não vale para todos.
Luciane Barbosa Farias, mulher de um dos líderes do Comando Vermelho (o CV, facção criminosa de alcance nacional) no Amazonas, foi recebida por dois secretários do ministério e dois diretores de pasta em um período de três meses. Em duas ocasiões diferentes. Só que eles alegam que não sabiam direito quem era ela.
Além de ser casada com um traficante condenado a 31 anos de reclusão, ela também recebeu pena por associação para o tráfico, lavagem de dinheiro e organização criminosa (a 10 anos de prisão). Luciane está em liberdade, enquanto recorre contra a sentença.
Fez as visitas ao Ministério da Justiça se apresentando como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), uma ONG de defesa dos direitos dos presos. Ela levou às autoridades um dossiê sobre supostas violações de direitos dos detentos. Até pode ser, mas o curioso é que no ministério dizem que não sabiam do currículo da moça.
O lapso quanto à identidade de Luciane foi alegado depois que a oposição ao governo Lula bradou aos quatro ventos que ela é ligada a uma das duas maiores facções criminosas do país. O ministro da Justiça, Flávio Dino, diz que não recebeu a mulher e chamou o alarido em torno do episódio de "politicagem".
Já o secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Elias Vaz — que até tirou fotos com Luciane — alega que errou ao não fazer verificação profunda de quem iria receber. Numa das ocasiões, a mulher condenada foi levada por uma advogada e ex-deputada no Rio de Janeiro.
Pelo fato de Dino ser de esquerda e essa também é a vertente política da ex-deputada que levou Luciane ao ministério, a oposição bolsonarista quer uma CPI para investigar o episódio. Alega que o governo está sob suspeita de beneficiar ou no mínimo manter diálogos estranhos com facções criminosas.
Talvez não seja nada disso e o ministério tenha mesmo falhado na identificação dos seus visitantes. O ministro inclusive promete mais filtragem de quem será recebido. Só que agora o estrago político está feito. Mas é preciso cuidado antes de atirar pedras. Em 2019 o então vice-presidente, Hamilton Mourão (hoje na oposição), recebeu em palácio um reservista das Forças Armadas que já tinha sido condenado por associação para o crime e receptação. Ele era também investigado por tráfico de drogas e por esse motivo foi preso, em 2020, apontado pela PF como megatraficante. Na audiência com Mourão ele representou a Associação de Reservistas. Assim como no episódio atual, não foi barrado. Prova de que os critérios de atendimento a estranhos devem ser revistos.