Preso desde março de 2019, o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz levou mais de quatro anos para revelar detalhes de sua própria participação num dos crimes do século no Brasil: o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e seu motorista Anderson Gomes. Os dois foram mortos com tiros de uma submetralhadora alemã HK, quando circulavam de carro pelo Rio.
A coluna teve acesso às decisões judiciais tomadas pelo magistrado Gustavo Gomes Kalil, da 4ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, após a delação de Elcio de Queiroz. Ex-sargento da PM, ele foi expulso em 2015 por corrupção e acabou preso pela execução de Marielle, um ano após o crime acontecer. O envolvimento no assassinato estaria comprovado pelas coordenadas de GPS do seu celular junto ao local do duplo homicídio, entre outras provas (no quarto do ex-PM foram encontradas duas pistolas e munição; no carro dele, oito balas de fuzil). Já Ronnie Lessa teria feito pesquisas de CPF e endereços de Marielle, o que ajudou a incriminá-lo.
Agora Queiroz resolveu abrir o bico, em troca de pena atenuada e proteção, num presídio federal. Conforme extenso relato dado por ele ao Ministério Público e à Polícia Federal, a execução teria sido tramada pelo ex-PM Ronnie Lessa, amigo e confidente de Queiroz. O complô teria sido armado ao longo de oito meses, nos quais a vereadora foi seguida e vigiada, até surgir "uma janela de oportunidade" para o homicídio. Além dos dois, o duplo assassinato (dela e do motorista) teria contado com participação do ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, o Suel (preso pela PF na manhã desta segunda-feira, 24).
Conforme a narrativa de Queiroz, ele dirigiu o carro que perseguiu o veículo onde estavam Marielle e seu motorista. Os tiros foram dados por Ronnie Lessa, um miliciano já implicado em vários homicídios. Um casal (o homem, implicado em homicídios) teria recebido as armas da dupla e as descartado. Um irmão de Lessa teria recebido toucas, silenciadores e a submetralhadora), que teriam sido jogados no mar, posteriormente. Um sexto integrante do complô teria descartado o carro usado no crime, um Cobalt, que foi desmanchado. E dois outros vazaram informações oficiais da investigação para os criminosos.
Queiroz também afirma que o crime foi encomendado por um ex-colega deles, o sargento reformado da PM Edimilson Oliveira da Silva (o Macalé), assassinado em novembro de 2021. O delator apontou provas de que Macalé fez várias ligações para Suel e Ronnie nos dias que antecederam e se sucederam o duplo homicídio.
"A alegada sofisticação nos atos preparatórios, na execução e no pós-crime revelam a gravidade da conduta, inclusive vitimando uma parlamentar no exercício no mandato, recomendando-se, por ora, maior rigor na escolha da cautelar pertinente", justifica o juiz Kalil, ao decretar prisão preventiva de Suel num mandado com validade de 20 anos (o que não impede que seja solto antes, mediante habeas corpus).
O desafio da PF é desvendar os motivos do assassinato da vereadora, até hoje encobertos. E quem mandou. É até possível que Queiroz já tenha falado sobre isso, mas parte dos autos está em segredo judicial. Estilo combativo, Marielle colecionava desafetos. Defendia os interesses de ocupantes de terras ambicionadas por grileiros e pelo setor imobiliário, na zona oeste do Rio. Criticava também as milícias formadas por paramilitares, fenômeno em expansão em todo território carioca e fluminense. É provável que uma combinação de fatores tenha lhe rendido uma sentença de morte no tribunal informal do crime. Resta saber quem.