É ano de eleições e, com ele, se repete o risco da revoada de malas pretas. Ao longo de décadas fiquei com a impressão de que essa praga urbana têm predileção por políticos endividados em campanhas duvidosas. Por governantes em busca de reeleição e lobistas da iniciativa privada. Por interessados em garantir vultosos contratos com os vencedores do pleito.
Mas a expressão "homem da mala preta" nasceu longe desse meio. Ficou famosa como o sujeito que garantia suborno para times perderem partidas decisivas, no futebol. Com o tempo, os cartolas esportivos foram substituídos pelos políticos, no imaginário popular da propina.
As malas pretas sofreram uma metamorfose, virando dólares na cueca, na época de um político que chegou a comparar sua honestidade a de Cristo. Processos judiciais mostram que vitórias governamentais foram garantidas mediante farta grana escondida embaixo das calças. Alguns foram flagrados e tiveram de dar muita versão sobre como a bufunfa foi parar ali.
Depois surgiu uma gestão marcada por um ciclo petroleiro e a mala preta de novo foi repaginada. Virou mochila, nas costas de tarefeiros partidários, que saíam de reuniões com empresários direto para o aeroporto. A irrigação de contas de campanha foi rastreada e documentada. Montanhas de reais apareceram num apartamento de um político nordestino. Bilhões enviados ao Exterior acabaram devolvidos aos cofres públicos, mas vários processos criminais acabaram anulados. Dizem que dinheiro compra consciências e torna inocente até mesmo gente condenada várias vezes.
Aí brotou no país um grupo com discurso contra tudo que está aí. Prometeu seriedade, autoridade, acabar com a farra da corrupção. Só que não. Após meses de hibernação, há notícias de que malas pretas recomeçaram seu voo (embora elas adorem uma carona em carro velho, também). Até um político municipal com pasta recheada de milhares de reais foi surpreendido no aeroporto. Dá explicações até hoje.
Semanas atrás, em nova roupagem, a mala preta apareceu na conversa de líderes religiosos de terno e gravata. As maletas nem sempre estão recheadas com reais. Elas podem conter inclusive ouro e diamantes, por que não? O que importa é o conteúdo, não a aparência.
E o ciclo continua. Vale para outros continentes, também. Só não vale dizer que isso é um problema decorrente do excesso de liberdade, das eleições. Sacolas recheadas de grana proliferam na democracia e também em regimes autoritários. A história está repleta de exemplos disso, de Idi Amin a Mobuto Sese Seko, para ficar numa dupla de ditadores notórios. A diferença é que na ditadura você não fica sabendo e o recheio está concentrado em poucos, mas a revoada de malas pretas continua.