Na terça-feira (31), publicamos reportagem sobre o assédio cada vez maior das facções criminosas a um mercado invisível, mas influente: o das atividades empresariais clandestinas. Bingos, caça-níqueis, vendedores e receptadores de cigarros paraguaios, ambulantes irregulares, prostitutas e cafetões, donos de night clubs… todos têm de pagar propina para não serem incomodados pela bandidagem, aquela organizada de dentro dos presídios.
E quando falo incomodados, bota incômodo nisso. Das ameaças para as agressões é um pulo. Das agressões para o assassinato, um degrau.
Ouvimos especialistas em crime organizado para que falem, afinal, se a comunidade precisa se preocupar com essa troca de mãos no submundo.
Primeiro, a raiz da questão. O cientista social paulista Bruno Paes Manso, que escreveu um livro sobre o PCC (Primeiro Comando da Capital, maior facção criminosa do país) e outro sobre as milícias cariocas, ressalta que o tráfico de drogas agora age no atacado, inclusive nas fronteiras.
—Esse dinheiro precisa girar e voltar para a economia. Acaba naturalmente financiando outras atividades ilegais e informais. A compra de terrenos e a construção de casas têm sido outro caminho muito usado para lavar e esquentar o dinheiro do crime.
Ele considera que no Rio de Janeiro isso é ainda mais evidente: “O jogo do bicho e os policiais da milícia estão mais juntos do que nunca”. O cigarro clandestino também invadiu a zona oeste do RJ.
—Tudo acaba se conectando. Quanto maior o lucro gerado no território que eles dominam, melhor.
Essa é a razão econômica do avanço das facções sobre os clandestinos. E as consequências?
Francisco Amorim, doutor em Sociologia, professor da UniRitter e integrante do grupo de pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS, avalia que a migração das facções para atividades como jogos ilegais leva junto os riscos do crime organizado. Os chefes do tráfico estão muito mais habituados à violência do que os bicheiros, mas esses andam sempre com seguranças, muitas vezes policiais fazendo “bico”.
Na reação, podem atingir quem não deve nada. Uma guerra no submundo sempre espirra em inocentes, adverte Amorim.
O especialista lembra que o controle das novas atividades ilícitas por grupos envolvidos com o narcotráfico é feito com a mesma violência que caracteriza o mercado ilícito de entorpecentes. Mesmo no que se refere a contravenções, como o jogo ilegal. Isso afeta a territorialidade de regiões inteiras, atingindo comerciantes e moradores desses locais em sua vida cotidiana.
Aí está a palavra dos estudiosos. O alerta está dado. Comprar bugiganga contrabandeada e fazer uma fezinha no bicho deixou de ser algo inocente.