Evito comentar detalhes de crimes passionais. Isso porque, além de mórbidos, não envolvem toda a comunidade, mas um pequeno grupo, em geral família, atingido por uma tragédia. Prefiro abordar crime organizado, que influi em todo o estamento da sociedade, do rico ao pobre. Óbvio que estou na contramão do gosto popular e perco cliques ao não comentar barbarismos como o desaparecimento de Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, em Imbé. A mãe, após ser presa, admitiu que dopou, o colocou numa mala e o jogou no Rio Tramandaí. Teria contado com a colaboração da companheira, que também foi presa.
São tantas as perfídias nesse crime que se torna imperioso comentá-las. O menino era desprezado pela mãe e companheira, porque era inquieto. Ao invés de recitar ditados do tipo “vovô viu a uva”, a criança era obrigada a escrever em um caderno “sou mau, sou horrível, sou ladrão, sou cruel, eu não presto”. Tudo porque, segundo a própria mãe contou aos policiais, ele atrapalhava a rotina do casal. Miguel era acorrentado, quando se mostrava irrequieto, como se não fosse natural a inquietude na infância.
Há suspeitas de que Miguel foi jogado ainda vivo nas águas. Não se sabe se foi cortado para caber na pequena mala. Mistérios que ainda perduram, uma hipótese pior que a outra.
As confissões estão gravadas em vídeo, o caderno está lá para quem quiser ver, a corrente também, mas não duvido as acusadas negarem tudo na Justiça, dizendo terem sido obrigadas a admitir crime não cometido. Já vi isso em tribunais do júri.
Miguel, desde já, é candidato a mártir. A trajetória de crueldades a que foi sub submetido se equipara a dos suplícios que levaram a Igreja a canonizar muita gente. Caso o Vaticano não se comova, é possível que a população o venere, como já aconteceu com o menino Bernardo, morto pela madrasta em Três Passos, com conhecimento e omissão do pai, anos atrás. O túmulo dele virou local de peregrinação.
O caso de Miguel nos faz desconfiar dos destinos da humanidade, mas o ser humano todos os dias nos dá também exemplos maravilhosos. Descobertas que prolongam vidas. Ajudas desinteressadas ao próximo. Horrores como o dessa criança em Imbé são exceção e assim devem ser encarados. Mas jamais esquecidos.