Por que o PM aposentado Fabrício Queiroz foi preso se aparentemente não oferecia perigo, estava em tratamento para câncer e prestou depoimento às autoridades quando solicitado, como alega seu advogado? Porque, mesmo doente, esse homem de confiança do clã Bolsonaro continuava a financiar esquemas de milícias no Rio de Janeiro, seu Estado natal, justificam os promotores de Justiça que conseguiram a prisão dele.
GaúchaZH teve acesso à ordem de prisão preventiva contra Queiroz, um documento de 46 páginas redigido pelo juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. O magistrado alegou duas razões para mandar prender o PM aposentado. Uma delas, periculosidade por ainda gozar de influência política. Ele foi assessor parlamentar do deputado estadual Flávio Bolsonaro (hoje senador), um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.
É citado como exemplo de tráfico de influência o fato de, segundo o Ministério Público, Queiroz ter pago 116 boletos bancários referentes ao plano de saúde e mensalidades escolares de familiares de Flávio Bolsonaro. O valor total é de R$ 162 mil. A constatação foi feita mediante cruzamento de horários, datas e valores movimentados em agências bancárias frequentadas pelo PM aposentado.
Queiroz também teria orientado testemunhas a não comparecer para depoimentos contra ele próprio. E elas se esconderam, constata o juiz Itabaiana.
O segundo motivo para a prisão do PM aposentado, alega Itabaiana, é a garantia da ordem pública: Queiroz, mesmo escondido em Atibaia (SP, onde acabaria preso), “mantém sua influência sobre milicianos do Rio de Janeiro”, constata o juiz.
Exemplos dessa ascendência sobre milícias formadas por policiais e ex-policiais são expostos na ordem judicial. Queiroz era procurado para prestar depoimento desde o final de 2018. Acabou concordando em falar, por escrito, em março de 2019. Depois sumiu. Mesmo assim, continuou dando as cartas entre milicianos, pontua o juiz Itabaiana.
Um dos casos: mensagens de Queiroz para sua mulher, Márcia Aguiar (atualmente foragida), mostram que ele se comprometeu a interceder junto a milicianos de Itanhangá (zona oeste do Rio) para resolver o problema de um comerciante ameaçado pelos paramilitares.
“Eu queria que se desse para ele ligar, ele conhece os ‘meninos’ que cuida daqui, Tijuquinha, Rio das Pedras...”, implora o ameaçado.
Queiroz responde para Márcia que é difícil ligar, “porque o pessoal daí deve tá tudo grampeado”, mas “eu posso interceder quando estiver aí pessoalmente”.
O juiz Itabaiana menciona também que as contas bancárias de Queiroz foram irrigadas por repasses de dois restaurantes administrados pela mãe do ex-capitão da PM Adriano Magalhães Nóbrega (foragido da Justiça, condenado por diversos homicídios) e pelo próprio oficial, quando ainda não era um fugitivo.
Nóbrega e Queiroz, ambos homenageados por recomendação da família Bolsonaro, responderam juntos por homicídio. Queiroz foi absolvido, Nóbrega foi condenado em mais de um episódio. Agora, Queiroz será defendido pelo ex-advogado de Nóbrega.
A ordem de prisão contra Queiroz mostra que ele recebeu R$ 69 mil do Restaurante e Pizzaria Rio Cap (trocadilho com o capitão Nóbrega?) e Restaurante e Pizzaria Tatyara, ambos pertencentes a familiares de Adriano Magalhães Nóbrega. A estimativa do Ministério Público do RJ é de que mais de R$ 400 mil foram repassados por Nóbrega a Queiroz, a maior parte, em espécie.
Nóbrega era procurado para esclarecer sua relação com Queiroz, mas levou para o túmulo seus segredos. O ex-capitão, expulso da PM por homicídios e torturas praticados para uma milícia, foi morto por policiais da Bahia no início deste ano, numa fazenda onde estava escondido. Agora as autoridades tentarão convencer o próprio Queiroz a dizer o que sabe sobre milícias, arrecadação de propina e possíveis ligações com o clã Bolsonaro.