Pela primeira vez desde que foi empossado presidente da República, Jair Bolsonaro se distanciou publicamente do ideólogo Olavo de Carvalho, um dos inspiradores da sua trajetória rumo ao poder. Na noite de segunda-feira (22), o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, leu uma nota em nome do presidente:
"O professor Olavo de Carvalho teve um papel considerável na exposição das ideias conservadoras que se contrapuseram à mensagem anacrônica cultuada pela esquerda e que tanto mal fizeram ao nosso país. Entretanto, suas recentes declarações contra integrantes dos poderes da República não contribuem para a unicidade de esforços e consequente atingimento dos objetivos propostos em nosso projeto de governo, que visam ao fim e ao cabo ao bem estar da sociedade brasileira e ao soerguimento do Brasil no contexto das nações".
É uma mudança e tanto. Olavo foi um dos convidados de honra da visita de Bolsonaro aos EUA, em março.
GaúchaZH soube que pesou na descompostura pública do presidente ao seu guru o descontentamento de alguns generais-ministros com as críticas do pensador ao meio militar, que comanda oito dos 22 ministérios do governo. Olavo, idealizado por Bolsonaro e seus três filhos políticos por ser um pensador de direita num país historicamente marcado por filósofos de esquerda, têm mirado recentemente outros direitistas. Já chamou o vice-presidente, general Hamilton Mourão, de "idiota", "charlatão desprezível" e "oportunista" e falou diversas vezes que Mourão aspira tirar o poder de Bolsonaro. O ideólogo, que foi astrólogo e também é chamado de filósofo por seus adeptos, disse ainda que os militares só fizeram "cagada" nas últimas décadas e entregaram o Brasil ao "comunismo" ao anular as lideranças civis de direita após o golpe de 1964.
- A herança das escolas militares é "cabelo pintado e voz empostada" - alfinetou Olavo.
As baterias de Olavo se voltam, sobretudo, contra o vice-presidente. Em recente tuíte, o ideólogo bolsonarista disse:
"O Mourão
(1) dá ares de coisa séria às mentirinhas bobas do Jean Wyllys (deputado do PSOL que renunciou por se dizer em risco de vida) sobre as "ameaças" que recebe (de um presidiário maluco que já ameaçou também a mim e à Joice Hasselmann).
(2) Tentou dar um palanque para o Lula, que o rejeitou.
(3) Pensa em dar uma saída honrosa para um ditador cujo povo quer ver na cadeia ou no cemitério (Maduro da Venezuela).
(4) Aprova o direito ao aborto, que a campanha eleitoral do Bolsonaro anunciou proibir.
(5) Fala mal de um ministro e quer investigar outro, mas parece não ter pressa nenhuma de descobrir os mandantes do Adélio (autor do atentado que quase matou Bolsonaro).
Que é que falta para alguém entender que ele é INIMIGO E COMPETIDOR do presidente em vez de seu auxiliar?"
Olavo considera muitos militares "oportunistas" dedicados a ocupar cargos no governo. Mas a raiz das divergências, afora intrigas palacianas e disputa por poder, é ideológica. Olavo é muito mais conservador e direitista, no espectro político, do que a maioria dos ministros militares de Bolsonaro. Ele e seus adeptos pregam ruptura do Brasil com a China, apoiam a mudança da capital israelense para Jerusalém, desejam algum tipo de intervenção estrangeira na Venezuela e, óbvio, repudiam qualquer conciliação, negociação ou tolerância com políticos de esquerda. São influentes em pelo menos quatro ministérios e entre os três filhos de Bolsonaro, seus conselheiros íntimos.
Militares, como Mourão e o general Carlos Alberto Santos Cruz (ministro da Secretaria de Governo), ocupam mais de 100 cargos de primeiro e segundo escalão no governo, e têm se mostrado mais pragmáticos em governabilidade e liberais em ideologia. São avessos a aventuras militares na Venezuela, acham prejudicial ao Brasil apoiar algum dos lados na disputa histórica do Oriente Médio entre árabes e judeus, são favoráveis a manter a parceria comercial com a China (Mourão preside uma câmara de negociações com os chineses). O vice-presidente, inclusive, já disse que aborto é uma questão de foro íntimo da mulher - para horror dos crentes religiosos vinculados ao governo.
Mourão adotou um estilo mais político e tenta contemporizar. Disse que Olavo deve voltar a fazer sua função, de astrólogo. Já Santos Cruz, um dos militares mais prestigiados na história das Forças Armadas brasileiras, foi mais direto. Disse que em Olavo, "o linguajar chulo, com palavrões, inconsequente, mostra desequilíbrio evidente". O ministro afirmou ainda que nunca se interessou pelas ideias de Olavo.
O presidente esta semana tentou dar um fim ao bate-boca entre as correntes ideológicas do governo, ao criticar publicamente, via nota oficial, Olavo de Carvalho. Acontece que um de seus filhos já saiu em defesa do pensador direitista. É um hábito recorrente na família Bolsonaro: quando o presidente segue o protocolo conciliador, algum dos filhos usa da franqueza e se alinha com alguma tese. Sem ser repreendido pelo pai. Dado o recado para moderação (o que agradou aos militares), é pouco provável que o presidente rompa com seu guru.
Protocolo nem sempre é sinceridade.