Duas operações diferentes realizadas em dois dias, contra duas organizações em separado, atingem em cheio um tipo de estrutura que começa a se enraizar no Rio Grande do Sul: o crime organizado em forma de milícia. Grande parte dos delitos, aqui e em outros lugares, é praticada por bandos desconexos de delinquentes, muitas vezes iniciantes, que agem com violência e sem racionalidade. Mas as organizações maiores centralizam os ramos mais lucrativos da criminalidade e, cada vez mais, adotam um esquema empresarial.
É o que foi desbaratado em Cachoeira do Sul por uma força-tarefa do Ministério Público e em Porto Alegre, pela Polícia Civil. No caso do município da Região Central do RS, o investimento da mais antiga facção do crime gaúcho incluía lavagem de dinheiro com revendas de carros e – pasme – carteira assinada para os bandidos, disfarce de emprego sério. Na Capital a tática empresarial era outra, com aplicações dos lucros em imóveis do programa Minha Casa Minha Vida, invadidos após expulsão dos legítimos proprietários ou comprados a baixo custo. Os criminosos obrigavam os moradores a adquirir gás e outros benefícios de empresas de fachada controladas pela quadrilha.
As táticas usadas pelos dois diferentes grupos de traficantes são cópia do método das milícias, organizações criminosas gestadas no Rio de Janeiro nos anos 1990 e formadas, sobretudo, por policiais e ex-policiais militares e civis. Muitos deles adotaram o modelo após serem expulsos de suas corporações, justamente por praticarem extorsões. No pior estilo das máfias, eles se agrupam num condomínio e oferecem "proteção" obrigatória aos moradores. Quem não paga começa a sofrer assaltos. Além disso, os milicianos monopolizam o fornecimento de gás, internet, telefonia e TV para a comunidade, expulsando as empresas credenciadas da área onde eles atuam.A grande diferença entre o modelo carioca e descoberto agora no Rio Grande do Sul é que, no Rio, os milicianos se gabam de não traficar drogas. Chegam na comunidade justamente com o discurso de expulsar os traficantes. Nos dois casos gaúchos atacados pelas autoridades esta semana, os milicianos eram traficantes.