A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
A cada ano as discussões voltadas ao meio ambiente e à sustentabilidade ganham mais peso, exigindo posicionamento e responsabilidade dos mais diversos atores da cadeia produtiva. Dentro e fora do agro, a preocupação em comunicar sobre suas práticas ganha importância com cargos-chaves cada vez mais frequentes nas empresas. Para Sulivan Alves, diretora técnica da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e coordenadora do grupo de trabalho de Sustentabilidade e Meio Ambiente do Conselho Mundial da Avicultura, informar o consumidor é fundamental.
Em entrevista à coluna, Sulivan fala dos desafios de se chegar a uma produção equilibrada, que coexista com o meio ambiente sem desconsiderar o compromisso com a segurança alimentar, e traça um panorama do que esperar da área no futuro. Confira:
As discussões sobre meio ambiente estiveram em voga em 2021, e a tendência é que sigam cada vez mais. O que esperar de avanços na área para os próximos anos?
Nós do setor de carnes e de proteína animal em geral sempre tivemos um pé na sustentabilidade porque temos que coexistir com o meio ambiente. Lógico que existe uma necessidade de melhoria, para darmos mais atenção ao domínio ambiental dentro dos pilares de sustentabilidade. Nossa expectativa é que seja dada mais atenção para os aspectos ambientais, mas não desconsiderando a necessidade de um equilíbrio para o desenvolvimento econômico, que considera os aspectos sociais e a manutenção do acesso à população a uma proteína de qualidade para que se possa ter a segurança alimentar assegurada. O setor sempre teve a necessidade de focar em aspectos ambientais, mas agora mais ainda com avaliações, monitoramento e suporte de dados ao consumidor. O consumidor quer saber mais sobre o produto que está consumindo.
O que significa, na prática da produção animal, promover a sustentabilidade?
Para a produção animal, existem os temas materiais que consideramos mais relevantes. Logicamente que emissão de gás de efeito estufa é um dos pontos principais. Não pesa tanto para a área de suínos, como pesa na bovinocultura, mas é um tema material importante para o setor. A questão do uso da água, a utilização de antimicrobianos, o bem-estar dos animais... esses são pontos que chamo de elementos mais relevantes voltados ao aspecto da sustentabilidade dentro da cadeia. Existem trabalhos ou situações que são mais favoráveis para uma cultura do que para outras, mas acabam entrando em um mesmo pacotão. De todo modo, independentemente de ser uma questão que nós temos uma dívida com, por exemplo, a emissão de gases de efeito estufa, não é tão grande o problema para os setores de aves e suínos. Mas os consumidores acabam atribuindo isso a todos: deixa de comer carne porque faz mal ao meio ambiente. Existe esse sofismo. E as coisas não são bem assim. Temos que trabalhar a questão do equilíbrio, do esclarecimento, mostrar o que realmente é impactante e o que não é, o quanto que temos de diferenciação nesses setores. Quando se fala em sustentabilidade, sempre se pensa no aspecto ambiental, por conta da origem das discussões, mas a sustentabilidade é para além das questões ambientais. Envolve os aspectos sociais e econômicos. Não devemos esquecer disso porque temos um país que é um grande produtor de alimentos. O que a gente produz tem importância social e torna acessível para diversas camadas da população. Não adianta também dizer que vou explorar os recursos de maneira desregrada. A longo prazo isso não vai ser sustentável. O desafio é esse: alimentar um mundo de grandes contrastes de maneira sustentável. E esse é um papel que o Brasil com certeza é o que mais tem condição de fazer.
Qual a importância de as empresas focarem em cargos como diretores de sustentabilidade?
A empresa se estruturar para ter uma área de sustentabilidade demonstra que ela está se dedicando ao tema. É um assunto que precisa de alguém com um olhar macro e se dedicando ao processo de tomada de decisão, de treinamento. No setor de proteína animal, há uma série de iniciativas que já são sustentáveis, realizadas às vezes com outros intuitos, porque fazem parte da prática, porque traz outro benefício... mas que são hoje chamadas como medidas sustentáveis. A partir do momento que tenho uma área ou um setor responsável, isso já traz um peso maior, uma modernização.
Como é coordenar um GT mundial de sustentabilidade? O que o trabalho envolve?
O trabalho é desafiador porque são vários países com suas pautas relevantes, então existem temáticas mais adiantadas, outras mais atrasadas, mas o objetivo comum é falar sobre a sustentabilidade do setor de avicultura. O que observamos é que realmente a avicultura se apresenta bastante diferenciada. Dentro dos setores que a ABPA representa, nós temos uma produção bastante sustentável comparada com determinadas outras atividades. Esse é um dos trabalhos: ressaltar essas contribuições, puxar a temática de relevância para que seja trabalhada por associações locais, fazer posicionamentos.
Qual o maior desafio na avicultura para promover a sustentabilidade?
É a gente caminhar com metas. Há uma expectativa muito grande do público geral por compromissos públicos com metas de médio e longo prazo. Hoje, as tarefas mais desafiadoras são a gente se organizar enquanto setor para discutir pautas, conhecer a realidade, monitorar resultados para então conseguir trabalhar com metas, e então explorar essa parte da transparência que eu havia comentado.
O que pode estar mais em jogo em 2022? Que assuntos podem ser temas centrais?
As emissões de gases de efeito estufa certamente são um tema importante e acredito que vai ser demandado cada vez mais. Que tipo de monitoramento adotar, estabelecimento de metas.... Vai ser algo de atenção máxima.
É possível conciliar sustentabilidade com grandes produções?
É, sim. Especialmente o nosso setor. Falando em específico da avicultura, a história do desenvolvimento industrial tem a ver com a sustentabilidade. As aves são animais que ficam prontos para o consumo em menor tempo e utilizando o menor espaço físico. A eficácia e o rendimento são aspectos de sustentabilidade na produção desta carne. Tem proteína de alto teor nutricional sendo produzida por animais que ocupam menos espaço físico e menos espaço de tempo para alimentar as populações em geral. Isso é sustentável. Às vezes as pessoas falam: vamos investir em produção orgânica. Essa produção é suficiente para alimentar uma população que às vezes nem acesso a alimentos têm? Qual o custo? Será então sustentável produzir orgânicos para o mundo inteiro? Não que a gente não possa trabalhar as questões voltadas à utilização de fertilizantes, etc, mas a sustentabilidade implica no caráter de equilíbrio não deixando de lado os outros pilares. Temos que trazer essa questão para discussão de maneira mais equilibrada e justamente como chegar a esse processo de produção em que tenha menos impacto, mas não deixe pessoas passando necessidades nutricionais.
O Brasil está no caminho da sustentabilidade?
Eu costumo dizer que a gente, em termos de Brasil, tem sido muito cobrado por questões de sustentabilidade e muito disso em função de não estar comunicando ou trazendo informações em condições de uma análise melhor. Quando falamos em sustentabilidade, temos que pensar que para ser sustentável tem que ter aptidão. Como eu vou explorar um recurso em uma região que não é apta para aquilo? Se aquela região não tem aptidão para produzir determinada cultura, eu não vou conseguir fazer uma exploração adequada dos recursos. O Brasil é um país com aptidão natural para produção de alimentos e por isso ele é mais sustentável. Consigo fazer um uso mais racional dos recursos, trazendo menos impactos. Vejo muitas discussões de alguns países dizendo “comprem localmente”. Quanto que a produção local é sustentável? Se para produzir naquele local eu preciso fazer modificações no meio, qual o impacto? Se eu fosse produzir no meio do nordeste brasileiro determinada raça de bovino leiteiro, não seria muito fácil porque teria que ficar climatizando aquele ambiente e gastando energia, alterar o ambiente para o animal se adaptar. O Brasil tem tantos microclimas, condições para diversos tipos que dão condição para a nossa produção, tem um clima favorável para criação de aves e suínos, diferente de outros países que tem climas adversos. As condições naturais de clima do Brasil favorecem a produção de alimentos, que por sua vez favorece a produção desses animais de maneira menos impactante que qualquer outro lugar.