A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
O contato com uma primeira taça foi o suficiente para que o mundo dos vinhos entrasse de maneira definitiva na vida de Deisi da Costa. Natural de Sapiranga, ela deixou a cidade e uma recém iniciada graduação para desbravar em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, toda a sua curiosidade sobre a bebida.
O que poderia ser uma aventura virou trajetória profissional e projeto de vida. Hoje ostentando o título de melhor sommelier do Rio Grande do Sul – e a primeira mulher no país a conquistar a distinção, ela bebe de muito estudo e disciplina para ter conhecimento na área e percorre o país em busca do que a produção brasileira tem de melhor.
Em entrevista à coluna, ela conta como começou a sua paixão pelos vinhos e como é o seu trabalho. Confira:
Como começou o seu interesse por vinhos?
Eu morava em Sapiranga, recém tinha iniciado a faculdade de Psicologia, quando participei de um jantar e degustei uma taça de vinho. Nem gostava, minha família não tinha o costume de beber, mas experimentei e literalmente me apaixonei pela taça. No dia seguinte, já tive uma transição mental, uma vontade de estudar vinhos e fui em busca de entender o que era, quem fazia e tudo mais. Pesquisando eu descobri que Bento Gonçalves tinha vinícolas, mas eu não fazia ideia do que era isso, se era uma fábrica. Cerca de três meses depois, eu estava morando lá.
E como você se tornou uma sommelier?
Chegando em Bento, comecei a trabalhar na rede hoteleira, de propósito, para aprender mesmo. Mas teve um detalhe importante. Quando me mudei, eu tinha em mente enologia, que é o enólogo fazendo vinho. Mas descobri que existia, além do enólogo, o sommelier. E vi que eu gostava mais da função de falar com pessoas, das apresentações, do contato com o público. E comecei a estudar aos pouquinhos, a sair do país... fui morar na Irlanda com o propósito de aprender inglês o quanto antes. Eu precisava da fluência e percebi que no mundo dos vinhos em Bento quase ninguém falava inglês, então seria um diferencial. E, ao mesmo tempo, estudava vinhos na Inglaterra, onde tem uma das maiores escolas do mundo, em Londres. Eu queria estudar tudo e explorei bastante a Europa neste sentido, era vinho 24 horas por dia. E aí tive convicção de que era sommelier que eu queria ser.
Qual a diferença entre um sommelier e um enólogo?
O enólogo é formado em enologia e vitivinicultura. É quem faz o vinho, que cuida do laboratório, das uvas... tudo o que está no contexto de elaboração. É uma pessoa muito da química e da ciência. Já o sommelier é a pessoa que pega essa garrafa pronta do enólogo e apresenta para o mundo. A diferença que me identifiquei é que o enólogo fica fechado dentro de uma sala, de uma vinícola, de um produtor só. O sommelier é o mundo, precisa estudar sobre todos os países. O sommelier é um tradutor do vinho.
Como é, na prática, a rotina de um sommelier?
O sommelier pode trabalhar em restaurante, loja de vinhos, em uma vinícola apresentando aos turistas, em uma importadora, pode dar aulas, palestras, treinamento para garçons. É uma lista gigantesca de atividades, um campo muito vasto. Eu faço um pouco de tudo. Atualmente, tenho uma empresa de assessoria para lojas, vinícolas, importadoras, treinamentos de equipes, e dou aulas particulares. E estava com um projeto muito legal chamado Vinhos in English para estudar inglês através dos vinhos. Foi um sucesso em 2020, mas congelei porque estamos com um outro mega projeto. Eu e uma colega temos uma página no Instagram chamada @voudevinhooficial e dentro dela mostramos uma expedição de vinhos. Pegamos um carro, as malas e um violão, e vamos rodar o Brasil visitando todas as regiões vinícolas do país, daqui até Pernambuco. É um projeto inscrito na Lei de Incentivo à Cultura do Estado e todo financiado pelo governo do RS.
O papel do sommelier cresceu nos últimos anos?
Com certeza, cresceu muito. Aqui no Brasil, principalmente. Há poucos anos, quando eu iniciei, ninguém sabia o que era um sommelier. Mesmo nos restaurantes mais nobres não tinha um sommelier em Porto Alegre, por exemplo. Só em São Paulo. Agora já se vê os profissionais dentro de uma vinícola, de uma loja de vinhos. Mas ainda é pouco.
O que motivou esta virada?
Na minha opinião, o consumidor passou a ficar mais exigente, a ler revistas de vinho, se informar mais. E aí aconteceu que o estabelecimento tinha um cliente mais exigente, então precisava ter um funcionário mais apto para falar de vinhos. E teve uma questão muito importante, que acho fundamental falar. A Associação Brasileira de Sommeliers do Rio Grande do Sul (ABS-RS), que foi onde me formei, fez um trabalho inédito no Estado para formar mais profissionais. Dentre as ABSs do Brasil todo, eu diria que é o Estado destaque.
Você já tinha ganho um título de melhor sommelier antes, mas a diferença é que agora teve uma prova. Como foi isso?
Em 2019, eu ganhei o título através de uma eleição inicialmente aberta ao público e depois definida por um júri técnico. Agora, foi um concurso, bem mais intenso. A prova teórica era múltipla escolha de conhecimentos sobre vinhos e sobre mundo. Qualquer país, entre os 180 produtores, poderia cair na prova. O sommelier estuda vinhos, mas precisa dominar tudo o que serve à boa mesa. E na prova prática tivemos etapas diferentes, como fazer o serviço do vinho, servir a mesa toda e harmonizar os pratos, servir dez taças de vinho com uma garrafa só e sem poder voltar numa taça, reconhecer cinco bebidas do mundo às cegas.
O que representa ter recebido este título?
Sempre é uma surpresa. Mas é satisfatório por conseguir entender em qual nível que você está, até onde conseguiu estudar. Eu sou muito disciplinada e este primeiro lugar confirmou que estou no caminho certo. Também tem uma importância grande da mulher estar sendo inserida no mundo do vinho. Fui a primeira mulher do Brasil a vencer um concurso de vinhos. Isso para mim foi uma grande surpresa. No Rio Grande do Sul, foi a primeira vez que tivemos concurso e eu sonhava muito com isso, não por participar ou não, mas por ter um concurso aqui. São Paulo sempre esteve à frente e fico extremamente feliz que esse movimento também aconteça no maior produtor, que é o RS.
O que é preciso prestar atenção no momento de uma degustação?
Primeiro, o visual. Avaliar bem as cores, tonalidades, se tem algum sedimento dentro. Depois, o aroma, que é o que chama mais atenção e permite descobrir se tem algum defeito ou não. O olfato é muito importante, mas isso a gente “ganha”. Tudo é uma questão de muito treino, de tempo. E o paladar é igual, tudo é treino.
Como se diferencia um vinho bom de um vinho ruim?
O aroma entrega muito. Se tiver um aroma oxidado, um vinagre, já é um defeito. Tem que ter aromas nítidos. Por exemplo, colocou no olfato, já tem que te remeter a alguma fruta. Este é um primeiro ponto. Se conseguir encontrar essa fruta, já pode ir para o lado da qualidade. São vários pontos técnicos.
O que se destaca no vinho brasileiro?
A qualidade na taça já temos garantida, de forma geral. Mas como qualquer país, tem muito a melhorar. Temos muita diversidade. Daqui até Pernambuco, por exemplo, a diversidade de uvas, de estilos, de produtores com filosofias diferentes... o Brasil até no vinho tem uma diversidade enorme. É uma característica que precisa ser abraçada. Não temos que ter uma uva só que represente o país.