A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Transformar dados do clima em informações que sirvam de suporte para as decisões do setor agropecuário está no cerne do trabalho desenvolvido pelo meteorologista Flávio Varone. Atualmente vinculado à Secretaria da Agricultura gaúcha e coordenador do Sistema de Monitoramento e Alertas Agroclimáticos (Simagro-RS), sua jornada na previsão do tempo soma quase 30 anos desde a formação na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e entre passagens pelos setores público e privado. Sempre com o compromisso de traduzir o que observa em forma de conhecimento:
– Prever o tempo, qualquer aplicativo tem um bom índice de acerto. Mas o trabalho de um meteorologista, analista dessas condições de tempo e de clima, que gera um produto e uma ferramenta, é essencial – destaca.
Abaixo, veja trechos da entrevista sobre o teu trabalho:
Qual a importância da previsão do tempo para o campo?
O conhecimento das condições meteorológicas e climáticas é primordial para o homem do campo. A gente sempre soube da influência que o clima tem na agropecuária, mas, hoje, com todas as ferramentas que têm, com todo o investimento que foi feito nas últimas décadas, chega a ser estratégico. O conhecimento das condições parte desde o preparo do solo, passa por todo o desenvolvimento de uma cultura e chega até mesmo na colheita e também no transporte. Em todo o ciclo de uma cultura, o clima e os dados meteorológicos estão reproduzidos, fazem parte essencial do processo todo. Aí você vai ter índice de geada, previsão do índice de ferrugem, aplicação de herbicida... Praticamente todas as propriedades do Estado são contempladas. Se o produtor fizer bom uso disso, ele pode não ter prejuízo, principalmente nos insumos, que são comprados com valores tão altos. O produtor pode comprar pensando na melhor aplicação e na hora certa.
Sua profissão é muito mais do que avisar sobre sol ou chuva. Como é ajudar o produtor rural a "gerir o tempo"?
Eu vejo dois momentos: o primeiro é eu como servidor público. Eu tenho que levar o que eu tenho de melhor para a comunidade. Eu trabalho com o setor agropecuário, então eu levo o meu melhor como funcionário público para dentro da propriedade do nosso produtor. Como meteorologista, que atua na área, eu vejo que nós ainda não temos uma cultura meteorológica. O produtor ainda não faz bom uso dessa condição. Eu vejo como essencial o meu trabalho nesse sentido, primeiro por levar o produto e esse dado que seja útil, mas principalmente por fazer o produtor entender que aquilo é útil. Essa cultura que eu acho um desafio maior. Prever o tempo, qualquer aplicativo tem um bom índice de acerto. Mas o trabalho de um meteorologista, analista dessas condições de tempo e de clima, que gera um produto e uma ferramenta, é essencial. É um trabalho que auxilia em todos os momentos o produtor. Mas também não deixa de ser para a comunidade em geral. Dentro do Simagro, nós geramos previsão para 15 dias para todos os municípios do RS, por exemplo.
Apesar da falta de controle sobre o tempo, é possível antecipar bastante coisa. O que baseia uma previsão?
Antigamente, não tínhamos todo esse avanço tecnológico, então, boa parte dos produtos gerados era praticamente manual. Por telefone, você recebia os dados, colocava numa carta sinótica e fazia a mágica da previsão. Era muito demorado, o processo. O avanço tecnológico nos deu muita velocidade. Se consegue fazer uma previsão em um tempo muito mais hábil e que seja utilizada de forma muito mais rápida pelo consumidor. Do ponto de vista de todo esse emaranhado que compõe a previsão, que é o produto mais visto, ele envolve muita física da atmosfera e muita matemática porque boa parte das equações e dos modelos meteorológicos são uma combinação de física e de cálculo matemático. O trabalho de quem trabalha com a modelagem meteorológica é muito complexo e árduo. Eu, como usuário desse produto, analiso e transmito a informação. Existe todo um processo de análise para fazer com que o boletim do tempo chegue de forma detalhada e mastigada.
Qual a rotina de trabalho de um agrometeorologista?
De manhã, o pessoal já começa a gerar os produtos e se faz um monitoramento das estações meteorológicas. Instalamos 20 estações no Estado e a tendência é aumentar essa rede. Depois, a rotina é basicamente uma administração. Na equipe, sou eu e mais dois estagiários. Somos uma equipe muito enxuta. Na geração de produtos, trabalhamos com uma parte que estamos dando ênfase maior, que é o balanço hídrico, que é importante para a irrigação; outra cuida do banco de dados, de geração de produtos de gerenciamento remoto, que também queremos implementar no futuro; e mais a parte agronômica, que faz um levantamento muito grande e cuidadoso para doenças que são causadas em função das condições climáticas nas principais culturas. Basicamente, a gente está tentando botar a aplicação do dado meteorológico dentro da propriedade rural gaúcha.
Para não perder o hábito: o que esperar para a safra de verão? Teremos La Niña?
Acredito que seja muito similar ao ano passado. Ou seja, estamos num limiar muito próximo entre La Niña e normal. E as projeções estão mostrando que nós vamos ter nos próximos meses uma diminuição da chuva aqui no Estado. Até o final do mês, a tendência é de normalidade e até de excesso de chuva em diversas regiões, o que vai amenizar bastante a condição hídrica que estamos vivendo. Os reservatórios vão estar cheios. Para outubro, a previsão, que era de mais seca, hoje em dia já está apontando mais normalidade. A situação crítica que estamos analisando é mais para novembro e dezembro, onde deve secar um pouco mais. E aí pode ter uma influência desse limiar de quase La Niña. Já não acredito em grandes estiagens no verão. O que é bom ressaltar é que as estiagens de curta duração, de 15 a 20 dias, podem ser prejudiciais quando pegam as culturas no momento em que elas precisam de água. Isso é recorrente e muito pior do que grandes estiagens. Para nós, aqui no Rio Grande do Sul, não é basicamente o volume que mais importa, e sim a distribuição. Se tivermos um volume aceitável, mas com uma distribuição perfeita, nos ajuda muito mais do que uma chuva em alto volume.