A jornalista Bruna Oliveira colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
A gaúcha Joelize Friedrichs, de Não-Me-Toque, anotou o seu nome na história ao se tornar a primeira mulher piloto de combate a incêndios no Brasil. Criada no Interior e neta de pequenos agricultores, o interesse pela aviação despertou nela assim que encerrou o Ensino Médio. A formação no aeroclube de Carazinho abriu as portas para a aviação comercial e, depois, para a pilotagem agrícola. No ano passado, conquistou outra marca ao ser a primeira mulher a dar instrução a outra mulher em curso de piloto agrícola no país.
Entre idas e vindas ao Rio Grande do Sul, sua base agora é Luís Eduardo Magalhães, no Oeste da Bahia, onde busca o sonho de se especializar no combate a incêndios. Os cursos já estavam prontos, mas faltava a prática real. E o chamado veio justamente durante a conversa com a coluna: uma ligação do chefe acionou Joelize, que estava de sobreaviso, para o seu primeiro combate aéreo de incêndio.
– Era um sonho que eu tinha e que está se realizando agora – vibrou.
Confira a entrevista sobre a trajetória da piloto gaúcha e como foi a primeira experiência:
De onde vem o interesse pela aviação?
Nunca tive pretensão de ser pilota nem nunca tinha voado até terminar o Ensino Médio e decidir que era isso o que eu queria fazer da vida. Em 2007, iniciei a minha formação e tirei o brevê no aeroclube de Carazinho. Quando fui tirar carteira de piloto comercial, estávamos com dificuldade financeira, e eu acabei indo para o Mato Grosso. Em Cuiabá, eu trabalhava em troca das horas. Lavava os aviões, abastecia, carregava mala, essas coisas. Em troca, o comandante levava junto para voar e a gente adquiria experiência e as horas de voo. Assim eu consegui minha carteira e trabalhei no táxi aéreo. Depois voltei para o Rio Grande do Sul para dar instrução de voo, em Carazinho, e foi onde conheci o curso de piloto agrícola. Foi algo que sempre gostei, e podendo juntar os dois, então... A aviação agrícola estava em alta em 2012. Fiz o curso e consegui trabalho em uma empresa de Goiás. Fiz minha primeira safra agrícola lá, 2012/2013, e aí fui aprendendo tudo sobre as culturas que eu não conhecia, técnicas de aplicação. Em 2016, voltei de novo ao RS e fiquei cinco anos voando. No começo de 2021, subi para a Bahia e agora estou voando aqui no Oeste.
Como é ser piloto agrícola?
O meu trabalho prático é a aplicação aérea. Trabalho para uma empresa e fico em uma aeronave própria para isso. Prestamos serviço para as fazendas de forma terceirizada. Vamos para a fazenda e a maior parte da safra ficamos na aplicação. Como agora é época de seca, não tem cultivo, então têm os incêndios e a gente usa as aeronaves para fazer o combate. É uma complementação da safra em si. Usamos a mesma aeronave para os dois trabalhos.
E como você direcionou a carreira para o agro?
Até 2012, o que eu queria era aviação comercial, mas vendo o voo agrícola – que é um voo diferente, em que a gente voa sozinho, voa baixo – em alta naquela época, foi o que incentivou. Depois que comecei a voar, fui me apaixonando cada vez mais. Eu acho muito bacana que a gente entra na fazenda, inicia as aplicações logo depois do plantio e vai acompanhando toda a lavoura, cuidando dela até chegar na fase da colheita. Acho muito legal poder ajudar na produção e fazer isso voando. Querendo ou não, minha paixão mesmo é voar.
Qual a importância do teu trabalho?
Em questão de aviação agrícola, o apoio que a gente dá para o agro em geral é enorme. Claro que a aviação agrícola não vive sem o agro, mas o agro sem aviação agrícola produziria em escala muito menor. É um trabalho que auxilia numa questão de produzir em mais qualidade, mais quantidade e com mais eficiência.
O que representa ser a primeira mulher neste ramo?
É um marco para outras mulheres. É uma abertura de caminho, tanto que faço questão de divulgar. É bacana para outras mulheres verem que é possível, que tem outras mulheres voando, que é um caminho que já está aberto e que é só querer e chegar também.
Quais os próximos passos? O que deseja?
O fogo! Eu não vejo a hora. Era um sonho que eu tinha e que está se realizando agora. Quero seguir fazendo as aplicações na safra, trabalhar com o agro, que é o que eu gosto de fazer, mas o combate aéreo de incêndio era um sonho que eu tinha e que só viria depois de voar essa aeronave que eu estou voando agora, que é o Air Tractor. Está sendo uma sequência de realizações. Voar na Bahia também era uma meta porque é outro nível em questão de lavouras e de fazendas.
Encerrada a primeira missão, Joelize mandou um relato contando como foi a experiência:
Foi muito impactante. Foi no Norte da Bahia, em uma região de caatinga, onde é muito seco, faz tempo que não chove e tem focos de incêndio muito grandes que estão queimando há vários dias. A pista que estamos operando é no meio de uma cidadezinha, e o fogo chegou perto de algumas casas. São muitos caminhões-pipa chegando, quatro aviões, muita coisa acontecendo. Quando terminamos a operação, no fim da tarde, as pessoas entraram na pista para tirar foto, pedindo para dar abraço e agradecer. A responsabilidade é muito grande, uma experiência que nunca mais vou esquecer. E se paro para pensar que sou a primeira mulher fazendo isso, fica mais legal ainda.