O aumento da produtividade sozinho não é garantia de maior renda. É o que afirma o Antônio da Luz, economista-chefe do Sistema Farsul e diretor de Estudos Avançados e Inovação do Senar-RS, que participou de live em GZH sobre gestão e inovação no campo:
– Não adianta produzir cem se o custo é 101.
Confira abaixo trechos da entrevista.
O que é gestão na propriedade e qual a importância dessa ferramenta para o produtor?
É a palavra de ordem no agronegócio. É o olhar para o todo, o medir todos os processos, lacunas e áreas que um negócio, seja rural, seja urbano, precisa tocar dia a dia para que as coisas aconteçam. Nos últimos 20, 30 anos, os produtores deram um enorme salto qualitativo de produção. Aprenderam a usar melhor fertilizantes, máquinas agrícolas, a treinar melhor as pessoas. Hoje, o processo produtivo é tão complexo quanto o da indústria. Isso exigiu uma reinvenção e trouxe uma questão: como gerenciar? Para ter viabilidade econômica, tenho de ter um nível de produção que me remunere em uma quantidade de insumos. Cada insumo desses tem um momento para ser adquirido, e cada um tem alternativas. Serão aplicados por máquinas que consomem energia e precisam de uma pessoa treinada. Então, não adianta ter a melhor máquina e não usá-la da melhor forma. Todo ato tem custo, e se essa receita será suficiente é uma resposta que não vem da agronomia, mas da gestão.
Que obstáculos ainda existem no caminho da gestão ?
O processo de produção se tornou muito complexo. Começo a me preocupar com coisas que antes não me preocupava, como fluxo de caixa. O produtor atual precisa de instrumentos mais poderosos para gerir e armazenar uma infinidade de informações com as quais se depara. A tecnologia ajuda. Mas acho que o primeiro desafio é despertar, assumir: eu sou muito bom produzindo, mas tenho que comprar na melhor hora, vender na melhor hora. Se eu pago uma fortuna de juros, não gerencio meu negócio, sou espectador. Para sentar no banco do motorista, preciso assumir que o problema existe. Aí começo a ir atrás de informações. Continuo indo ao campo, me interessando por máquinas, por fertilizantes, mas começo a me interessar por fluxo de caixa. Preciso entender meus negócios pelos números, me preocupar com gestão de pessoas. Tem solução tecnológica para tudo, mas antes é preciso despertar, aprender o que quero ver e quais re
Gestão tem relação com tamanho da propriedade ?
Não. Começa com gerenciamento de finanças pessoais, enquanto indivíduo. Gestão é algo necessário para qualquer atividade que envolva recursos financeiros ou processos produtivos. E essa gestão é 360°. Não é só um aspecto, é caixa, é recursos humanos. O primeiro passo é a humildade mesmo: "não sou bom nisso, mas quero ser". Quando admitimos que não sabemos, desenvolvemos curiosidade, e isso nos leva a ter contato com aquilo que vai nos ensinar. Falo enquanto economista: não acredito em negócios duradouros sem gestão, e ponto. Tenho certeza que, se fizermos uma amostra, vamos achar gente que produz menos, gerencia melhor e ganha mais dinheiro. Isso a gente só consegue com processos gerenciais.
Não adianta produzir cem se meu custo é 101
ANTÔNIO DA LUZ
Economista
Está querendo dizer que nem sempre a maior produção resulta em melhor rentabilidade?Nós termos a maior produção pode gerar mais rentabilidade, mas pode gerar prejuízo. Não adianta produzir 100 se meu custo é 101. O que interessa para nós é a renda. É preciso gerar lucro, é disso que vivo e isso que circula na economia. A gente vê muitos erros, às vezes até grosseiros. Vejo muita gente aproveitando que os preços estão altos e procurando áreas para expandir a produção. Primeiro, tenho que olhar o caixa. Tem gente que vendeu melhor esse ano e está com chance de capitalizar melhor seu caixa, comprar produtos com desconto. Coisas assim a gente só descobre se começa a medir as coisas e ver a importância do balanço, olhando o negócio a partir dos dados, e não a partir do que eu acho. Se começarmos a medir as coisas, até os conflitos familiares diminuem, porque os dados vão dizer o que é melhor fazer. Dá objetividade ao processo.
Qual a diferença entre gasto e investimento quando se trata de produção?
Investimento é aquilo que nós fazemos para produzir mais, e não para produzir o que estava planejado. Quando compro uma máquina, estou fazendo um investimento. Quando amplio minha área, estou investindo. O gasto eu faço para abastecer aquele modelo que eu já tinha: é o combustível, o fertilizante, os agroquímicos, as sementes. São gastos que visam apenas aquele exercício. Isso é curioso, porque as pessoas chegam em uma loja para comprar uma camisa, por exemplo, e ela é vendida como investimento, mas na verdade é um gasto. O mesmo acontece com plano de saúde, que é gasto. O investimento pode ser horrível, e o gasto ótimo. Às vezes, fazemos investimentos péssimos. É necessário saber se aquilo é viável economicamente. Para isso, calculamos o retorno, e através de indicadores vemos a viabilidade.
Quais seriam os fatores essenciais para ter gestão financeira de qualidade?
Primeiro, dividir naqueles aspectos que fazem mover o negócio. Um deles é a gestão econômico-financeira - ver dinheiro entrando e saindo, se os investimentos são viáveis. Também preciso ter mensurações. Não adianta ter a melhor máquina se não estiver bem regulada, se o operador não fizer o plantio na velocidade correta. Também é necessária a gestão de processos, para medir se está sendo eficiente. Ainda necessito de gestão de recursos humanos, porque nenhum negócio funciona sem pessoas. Preciso de pessoas motivadas e que entendam onde se quer chegar.
Qual o papel das novas tecnologias nesse processo?
As tecnologias ajudam, e muito. Hoje, o grande custo é não ter gestão. Ninguém é capaz de gerir um negócio e acertar em todas as decisões. Mas, se tiver boa gestão, eleva esse percentual de acerto. Cada acerto e cada erro têm consequências econômicas. E é possível ter um bom gerenciamento com custo baixo e tecnologia. Antes temos de olhar para onde queremos chegar, o que se quer medir e o que fazer com as informações.
* Colaborou Rossana Ruschel
Confira abaixo a íntegra da entrevista