O jornalista Tércio Saccol colabora com a colunista Giane Guerra, titular deste espaço
Inaugurado em 3 de outubro de 1869, o Mercado Público é um símbolo de Porto Alegre. Recebe milhares de frequentadores da Capital, da Região Metropolitana e até turistas de outras cidades e Estados. O local sobreviveu a incêndios e enchentes. Negócios foram abertos e alguns não resistiram às crises, mas um seleto grupo está lá há mais de 100 anos. Nos últimos dias, a coluna visitou o centro comercial para falar com os donos das bancas que estão há mais tempo no mercado e para falar sobre seus planos para o futuro. O levantamento das bancas foi feito pela Associação do Comércio do Mercado Público.
Gambrinus (1889)
Fundado em 1889 como uma confraria de alemães, o Gambrinus não é somente o comércio que está há mais tempo no Mercado Público, mas também é o restaurante mais antigo de Porto Alegre. Em 1930, o negócio passou a ser de uma família italiana. Trinta e cinco anos depois, o pai de João Alberto Cruz de Melo, que veio de Portugal, assumiu o espaço e deu o perfil que o restaurante tem até hoje.
O Gambrinus é conhecido por iguarias como o bolinho de bacalhau. A decoração mescla elementos de madeira com azulejos em estilo português. A pintura do teto foi raspada, revelando a sobreposição de camadas de tinta de várias épocas. Para o futuro, o dono do negócio diz que deseja manter os padrões do restaurante e que ele siga sendo o mais antigo da Capital.
— Queremos manter a tradição, o padrão e a qualidade do atendimento. (Vamos) tentar manter tudo isso alinhado para que a casa tenha futuro. Nós observamos essas características e queremos preservá-las — diz Melo.
Naval (1907)
As paredes do Naval ajudam a preservar a memória do restaurante fundado em 1907. Há fotos penduradas em azulejos com mais de um século de existência e cadeiras expostas que foram usadas por ilustres frequentadores, como o jornalista e político Glênio Peres e o compositor Lupicínio Rodrigues. Localizado nas lojas 91 e 93, o espaço de 70 metros quadrados conta com 15 funcionários e 85 lugares para os clientes.
Foi fundado por imigrantes holandeses, mas já pertenceu a italianos e portugueses. Agora, está há três décadas com a família de Jader Hack Gomes, que veio de Santo Antônio da Patrulha para empreender na Capital. Segundo o sócio, o local era voltado à boemia na sua origem, mas hoje é conhecido pelos frutos do mar. À coluna, ele revelou que uma nova unidade do Naval fora do mercado já está em construção.
— Algumas bancas já saíram do mercado, mas aqui tem peculiaridades que nunca vão existir em outro bairro. No entanto, em breve vamos abrir uma operação da marca próxima do bairro Auxiliadora. Será uma mistura de restaurante e loja. A ideia é atender um público novo, pessoas que não vêm ao Centro — conta.
Banca do Holandês (1919)
Segundo documentos da prefeitura, a Banca do Holandês foi fundada em 1919. Porém, o atual proprietário, Sérgio Lourenço, afirma que essa história começou antes. Dirk Van Den Brul veio da Holanda para Porto Alegre em 1907. Anos depois, começou a trabalhar com comércio no Mercado Público. Os produtos vinham da Europa, chegando à banca em navios que atracavam no Cais do Porto. Entre eles, peixes enlatados, frutas e outras novidades que não eram comuns aos gaúchos.
Em 1975, o pai de Sérgio assumiu como sócio, e desde então sua família administra a banca. Hoje, a empresa possui um centro de distribuição no bairro Floresta para vendas online. Em 2021, abriu a primeira loja fora do mercado, onde vende queijos, embutidos e bebidas. Para os próximos anos, está prevista a abertura de duas novas unidades. O quadro de funcionários conta com 120 pessoas, mas Lourenço projeta fechar 2024 com 200 empregados. Ao crescimento da marca ele dá crédito aos filhos, que hoje trabalham com ele.
— É difícil sair daqui. O Mercado Público tem alma, isso aqui é um ímã, porque quando tu entra não tem mais como sair. Meus filhos chegaram dando uma nova visão ao negócio, assim como quando eu peguei do meu, que tinha apenas seis funcionários na época — conta o comerciante.
Banca 26 (1919)
Em uma loja de quase 50 metros quadrados, a Banca 26 também é datada de 1919. Fica ao lado da Banca do Holandês, mas a proposta é outra. A operação vende, principalmente, grãos e cereais, mas o destaque é o bacalhau, que chega a ter o quilo vendido a R$ 245. A loja acaba de passar por uma grande reforma, a primeira de sua história.
Hoje, a banca é administrada pela família de Ademir Sauer, que assumiu o espaço na década de 1980. Segundo o gerente Jonathan Freitas, que conversou com a coluna, a ideia é lançar no segundo semestre deste ano um e-commerce para venda online dos produtos, inclusive para fora do Rio Grande do Sul.
— Antigamente, o pessoal vinha para fazer o rancho do mês, comprava de tudo. Após a reforma, modernizamos a loja e tiramos alguns produtos que vendíamos antes. Estamos entrando mais na linha de produtos naturais, que é o que procura esse novo público.
Banca 40 (1927)
A Banca 40, conhecida por seus sorvetes, está no Mercado Público desde 1927. Foi fundada pelo português Manuel Maria Martins. Começou como uma banca de frutas, porém não demorou muito para oferecer sucos e também sorvetes aos seus clientes. Ficou nas mãos da nora do fundador, Madalena, até 2011, quando vendeu a um grupo de investidores que toca o negócio até hoje.
João Carlos Andrade Junior, um dos sócios, disse à coluna que a pandemia foi um baque para o empreendimento, que chegou a ter 35 funcionários, mas reduziu para 20 pessoas após o período de confinamento. A banca se recupera, ainda, de um investimento frustrado na Rua Padre Chagas, uma loja que ficou aberta de 2017 a 2019. Segundo o empresário, a "aventura" custou caro, principalmente pelo alto valor do aluguel. Para o futuro, a marca pretende focar na operação do mercado para depois voltar a investir fora dele.
— Só não fechamos porque foi colocado aporte próprio dos sócios, parcelamos dívidas, fizemos empréstimos. O foco é nos recuperarmos aqui no mercado para depois voltar a investir. Aqui, historicamente, sempre foi bom. Deu uma caída depois da pandemia, mas ainda temos muito clientes fiéis, muitos deles são turistas — diz o empresário.
Outra tentativa de expandir a marca foi através de franquias em pequenos pontos de venda junto às lojas Japesca. No entanto, a ideia é descontinuar o projeto, que ainda tem unidades nos bairros Moinhos de Vento e Cidade Baixa, e em Uruguaiana.
Colaborou Guilherme Gonçalves
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br) Leia aqui outras notícias da coluna