A discussão de transição energética ganha cada vez mais força, com o avanço da pauta de sustentabilidade no mundo. Na Europa, além disso, a crise energética causada pelos cortes e limitações de fornecimento do gás russo — em mais uma das consequências da guerra entre a Rússia e a Ucrânia — preocupa os países, que se preparam com recursos bilionários para enfrentar um gelado inverno.
Dentro desse cenário, aumentam os olhares para o hidrogênio verde, e para países e regiões que teriam capacidade de produzi-lo, como o Brasil e o Rio Grande do Sul. Recentemente, inclusive, a coluna esteve na Alemanha e na Holanda e ouviu autoridades europeias falarem a empresários gaúchos sobre a possibilidade de importar hidrogênio que pode ser produzido no Estado. O interesse também fez com que o governo do Estado encomendasse um estudo de R$ 4,9 milhões sobre a cadeia produtiva desse tipo de combustível. Saiba mais: Estado contratará consultoria dos EUA por R$ 4,9 milhões para fazer plano para cadeia de hidrogênio verde
O debate de sustentabilidade, a discussão sobre transição energética, o interesse europeu na energia gaúcha e as perspectivas para o mercado interno de hidrogênio verde foram assuntos que a coluna abordou com Daniel Cantane, pesquisador do Parque Tecnológico Itaipu Brasil, para o podcast Nossa Economia, de GZH. Veja trechos da conversa abaixo e a íntegra da conversa no final da coluna.
Tem muitos investimentos que estão sendo anunciados na área de hidrogênio verde. As cifras que ouvimos são bilionárias, capazes de mudar a vocação econômica de uma região. Mas são perspectivas sustentáveis? Veremos essas cifras saírem do papel?
Temos o desdobramento técnico, que é a necessidade de ter tecnologias maduras o suficiente para entregar um volume gigantesco de hidrogênio, e o econômico,que passa pelo desenvolvimento da cadeia consumidora e de mecanismos para desenvolver oferta. Do ponto de vista técnico, as tecnologias já estão maduras, porque vêm sendo desenvolvidas há 20 anos. O desafio maior é econômico. Mas o mundo vem trabalhando muito para desenvolver a cadeia econômica. Então tudo indica que sim, vai sair do papel.
Quando falamos dessa cadeia, não é só instalar uma fábrica. Precisa gerar energia, no caso do hidrogênio verde, renovável. Precisa ter essas fontes. Avançar a regulamentação. Tudo isso já requer uma grande cadeia, que precisa ser criada, certo?
Precisamos desenvolver pensando no mercado interno, e a partir disso, criar os mecanismos para atender o mercado externo. Digo isso porque o hidrogênio não será necessariamente exportado em sua forma química. Você poderá usar ele em um processo industrial, como um vetor da reindustrialização do país, de uma forma mais descentralizada, até porque as fontes de energia renováveis, como eólica e solar, também estão distribuídas pelo Brasil.
Sobre a possibilidade de ser um vetor de reindustrialização do Rio Grande do Sul, isso seria em que prazo?
O mundo fala no prazo de 2030 e 2050. O ponto é atender a agenda do clima, que é uma demanda forte do mercado externo. Inclusive, ele necessita muito mais do que o próprio mercado interno que esse mercado de hidrogênio se estabeleça de forma bem rápida.
A coluna esteve recentemente na Alemanha e na Holanda, e muito se discutiu sobre geração de energia. Conversamos com autoridades holandesas, executivos do Porto de Roterdã, que diziam aos empresários gaúchos: "produzam hidrogênio verde, que iremos comprar", sinalizando demanda, justificando os investimentos. Na sua opinião, essa demanda realmente vai existir? Qual é o risco de se fazer o investimento?
O risco é o mundo minimizar a agenda do clima. A inserção de hidrogênio em larga escala passa por um processo de ter custos baixos. Para baixar os custos, você precisa criar oportunidades. Qual é a oportunidade? Produzir em larga escala em lugares onde tem abundância de energia, como é o caso do Brasil. Mas se o governo de lá mudar ou postergar a política de agenda do clima, esse é o maior risco. Por isso que é muito interessante sempre estar olhando para nossa cadeia interna. Porque exportar o hidrogênio na forma gasosa ou líquida tem custos elevados. Uma das opções hoje é transformar ele em um combustível químico. O mais viável hoje é amônia, e usá-la como um transportador de hidrogênio, e também como insumo interno. O Rio Grande do Sul consome muito amônia devido as características agrícolas. Essa é uma rota que nós discutimos.
Uma das opções hoje é transformar o hidrogênio verde em um combustível químico. O mais viável hoje é amônia, e usá-la como um transportador de hidrogênio, e também como insumo interno, como fertilizante.
Como seria essa rota da amônia? Como o Rio Grande do Sul se encaixa nela?
Você explora a energia renovável. Depois, utiliza o processo para transformar essa energia elétrica em química, em uma planta de produção de hidrogênio. E pode ser acoplada uma planta de produção de amônia. A partir daí, você pode desenvolver outras indústrias, como a de fertilizantes. É uma uma grande oportunidade que vejo para Rio Grande do Sul, até porque você para de exportar insumos não manufaturados para exportar produtos industrializados.
A Europa quer comprar o hidrogênio como energia para usar lá. Estão estimulando empresários do Estado para produzir o hidrogênio aqui a partir de energia eólica, exportar via Porto de Rio Grande, entrando na Europa pelo porto de Roterdã. É algo possível?
Sim. A avaliação de potencial é exportar o hidrogênio na forma de amônia. Tem estudos hoje que mostram que, para grandes distâncias, a rota mais competitiva é produzir amônia e usá-la como o carregador de hidrogênio verde. Chegando lá, eles pegam essa amônia e a transformam em hidrogênio novamente, ou a consomem já direto dentro de um processo industrial. A estratégia da amônia é mais competitiva porque ela é líquida, não gasosa. Além disso, já há uma regulamentação de transporte estabelecida.
O Brasil vai precisar investir na formação de novos profissionais, principalmente nessa temática eletroquímica
Sobre a cadeia econômica, exigiria quais tipos de profissionais?
Extremamente multidisciplinar. Os profissionais clássicos, de engenharia, que vai criar todas as infraestruturas de geração de energia. Mas entraria, depois, os profissionais mais ligados na área química, com todo o processo de transformação. O Brasil vai precisar investir na formação de novos profissionais, principalmente nessa temática eletroquímica, que é o braço dentro da ciência do qual estuda esse processo da transformação da energia elétrica em energia química.
Ouça a entrevista completa para o podcast Nossa Economia, de GZH:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br) Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br) Leia aqui outras notícias da coluna
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