A crise mundial de logística, com falta de contêineres e preço dos fretes nas alturas, tem impactado também a indústria gaúcha, seja pelas exportações ou pelas importações. O programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, conversou com o presidente em exercício da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Arildo Bennech Oliveira, que também é vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria e de Massas Alimentícias e Biscoitos do Rio Grande do Sul (Sindipan-RS). Confira:
Como a crise dos contêineres impacta na indústria?
Temos grandes problemas nos portos em todo o mundo, principalmente na China, onde se concentra o maior número de contêineres e o maior número de exportação para indústrias, para componentes, peças. E a China tem vários problemas, alguns momentos em que ainda há lockdown, portos que param de trabalhar, trabalham mais devagar. Tem vários contêineres retidos nas empresas, porque teve crise de energia, e algumas trabalharam dois ou três dias por semana, não conseguiram mais. E isso tem atrasado bastante todas as entregas para indústrias do Rio Grande do Sul e do Brasil, porque nós dependemos hoje de muitos componentes lá da China. Além disso, como estamos próximos do final do ano, do Natal, e também o comércio vem com muitos contêineres com produtos para o Natal. Então, a dificuldade é grande, algumas empresas no Rio Grande do Sul já estão armazenando em barracão os seus produtos de exportação, porque não tem contêiner no porto de Rio Grande para poder exportar. Além disso, tem uma alta absurda nos preços. Na China, um contêiner custava US$ 2,5 mil o frete, hoje está custando em torno de US$ 15 mil a US$ 17 mil. Isso faz com que os preços se elevem e a inflação fique pior ainda.
Quais são os segmentos que estão sentindo mais esse problema, tanto para importar como para exportar?
Algumas empresas do Rio Grande do Sul, principalmente de móveis, trazem muitos componentes da China. Nós temos, inclusive, uma empresa que fabrica sutiã, que traz todos componentes de lá e monta aqui no Rio Grande do Sul. Não estão com capacidade produtiva, e, quando têm, não têm como exportar seus produtos porque não tem contêiner. Fizemos uma pesquisa que mostrou que, no frete marítimo mundial, 85% do mercado está na mão de quatro empresas. Isso formou um oligopólio. E também estamos entendendo que eles estão um pouco lentos para que os preços estejam mais altos e a lucratividade seja maior. A exportação de soja e trigo não tem problema, porque são navios brasileiros. Mas, para aqueles contêineres que poderiam ser até sem, está se pagando frete com refrigeração, porque não tem estruturas. Inclusive, navios estão detidos na China e em outros portos do mundo.
Qual será o impacto nos preços dos produtos?
Eu não teria como calcular exatamente, mas teremos certamente. Até porque também tem outros componentes na inflação, os aumentos que estão surgindo dentro do Brasil, como gasolina, com mais de 70%; diesel, 50%, não é só o frete internacional. No setor de alimentação, açúcar com aumento alto, farinha de trigo, o dólar a R$ 5,50. Algumas empresas terão que repor preços, mas não estamos em um nível de lucratividade das empresas que possa ter investimentos. Algumas empresas sim, e as outras não. Para vocês terem uma ideia, o alto forno da Gerdau, que foi desligado na época da covid-19, demora oito meses para chegar na temperatura ideal para operar. Isso traz problema no aço, que subiu bastante. Acredito que a inflação vai ficar nos dois dígitos, e ainda teremos problemas em 2022 pela falta de produtos.
Tem previsão para ser normalizado?
Temos previsão de que as indústrias comecem a operar com um pouco mais da sua capacidade. Mas também muitos institutos têm previsto uma recessão para 2022. Então, isso vai depender da economia e também daquilo que o governo vai poder fazer para que as empresas tenham mais estabilidade, mais confiança no governo para poder investir, principalmente em novos projetos. Aqui no Rio Grande do Sul, tem muitas empresas se instalando. O governo do Estado fez um Fundopem mais claro, objetivo e positivo. Eu penso que, para o ano que vem, se não tiver uma definição, principalmente do frete marítimo, ainda terá reajustes. Ainda temos problemas com a covid-19 e a recuperação muito rápida da economia em termos de produtividade, o comércio vendendo mais, porque parecia que o consumidor estava ávido para consumir, mas acho que vai chegar um momento agora no final do ano que teremos recessão e uma dificuldade de venda.
Eu tenho acompanhando alguns debates sobre alternativas ou medidas que podem ser tomadas em relação à crise logística. Também até nacionalizar determinadas partes da cadeia de produção para não depender tanto de insumos que são importados. A Fiergs tem levantado esse debate também?
Tem participado. Foi assunto ontem de uma reunião nossa, em relação à dependência que temos da China. Entregamos, principalmente no Rio Grande do Sul, o nosso parque industrial praticamente todo para a China. Hoje, a nossa cadeia produtiva é, muitas vezes, interrompida por produtos que vem de lá. Precisamos reativar nossas indústrias no Rio Grande do Sul para que tenhamos, cada vez mais, produto aqui no Brasil.
Vocês já estão sentindo isso? Vi manifestações de redes de varejo que estão trazendo de volta a produção aqui para o país, como confecções.
Exatamente. Temos dois exemplos claros, de confecção e calçados. Praticamente deixamos que a China levasse tudo que tínhamos aqui. A Fiergs está atenta nisso, está fazendo rodada de negociações com todas as empresas. E é a intenção, não só do Rio Grande do Sul como do Brasil - através da CNI (Confederação Nacional da Indústria) -, é fazer com que a nossa cadeia produtiva fique dentro do Brasil. Vou dar um exemplo que não é de indústria, mas é interessante: o trigo. O Rio Grande do Sul colheu quase 4 milhões de toneladas de trigo. Isso é uma marca histórica. O Paraná colheu quase 4 milhões também. Então, vamos ter uma produção de trigo no Brasil de 8 a 9 milhões, e o consumo de 11 a 12 milhões. Isso é quase o dobro do ano passado. Então, deixamos de ser tão dependentes da Argentina. E o objetivo é que façamos isso também na cadeia produtiva das empresas, das indústrias, para que não fiquemos dependentes de países para importar os componentes e parar empresas porque falta chip, falta parafuso, falta alguma coisa que não chegou da China.
Nesse processo de reconversão, é até fácil quando pensamos em calçados e confecção, que temos expertise grande. Mas na área de alta tecnologia, que parece ser um dos maiores problemas, de que forma o Brasil pode estimular a produção interna?
Eu acho que nós temos, cada vez mais, que ter pessoas na área de criação, na área tecnológica, formadas para isso. O Senai faz um trabalho muito bom em relação a isso. As empresas têm, cada vez mais, que recorrer às pessoas capacitadas, porque perdemos também muitos profissionais para China, muitas pessoas foram embora. Isso nos dá um vazio na inovação, na criação. As empresas precisam retomar a produção no Brasil, e com uma automação um pouco mais acelerada e também com uma visão de futuro maior, para que tenhamos uma legislação trabalhista mais moderna.
E o câmbio?
Nós trabalhamos com o câmbio de R$ 5,25 para o final do ano. Nós achamos que o câmbio vai se manter nisso. Não é bom nem para quem exporta, nem para quem importa. É um câmbio alto, e as empresas, como muitas delas importam alguns componentes para fazer os produtos, acabam também tendo problema na importação. Então, nós achamos que um dólar conveniente para todos fique em torno de R$ 4,20 a R$ 4,30. Mas trabalhamos com um dólar, no ano de 2022, na faixa de R$ 5 a R$ 5,30.
E a inflação para o consumidor já está chegando para indústria?
Algumas empresas já estão trabalhando com a perspectiva de ter menos venda em 2022, e acho que vai se tornar real, porque os aumentos nas pontas ligadas ao governo, como energia, gás e combustível, faz com que a família tenha uma renda menor. E uma inflação de 10% não faz bem a ninguém. Nem as empresas e nem ao consumidor. Vamos ter aumento ainda das empresas, que estão represados. Acreditamos também que, se não for feita alguma coisa na economia para que a inflação seja diminuída, teremos uma recessão, porque o juro ficou muito alto e o consumidor vai comprar cada vez menos.
Ouça a entrevista completa para a Rádio Gaúcha:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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