Para evitar erros, às vezes basta conhecer o que está ao lado e não vemos. No Rio Grande, as terras úmidas do Parque Nacional da Lagoa do Peixe são tão importantes quanto a floresta amazônica para regular o meio ambiente não só aqui, mas em função do planeta.
Agora, porém, querem transformar o parque em mera "área de proteção" com atividade econômica, deixando de ser preservada e virando um trambolho.
A ideia é abrir "fontes de trabalho" às populações de Mostardas e Tavares, segundo projeto de lei do senador Luis Carlos Heinze. "De boas intenções, o inferno está cheio...", diz a ironia do velho ditado, aplicável aqui.
Em 1993, a Lagoa do Peixe foi declarada área de preservação internacional por suas terras úmidas, um "posto avançado" da biosfera da Mata Atlântica, berçário de espécies marinhas (camarão-rosa, tainha, linguado etc), além de alimentar 300 espécies de aves, entre elas 35 migratórias, vindas do Hemisfério Norte, todas já catalogadas. Os banhados com 35 quilômetros de extensão e dois quilômetros de largura, entre a Lagoa dos Patos e o mar, são tão essenciais, que a ONU classificou a área como um dos "Sítios Ramsar", zonas de importância internacional para preservar o planeta.
O bem-estar de todos depende da preservação das áreas úmidas, que (ao sequestrarem carbono) regulam o regime hídrico muito além da própria região. A Amazônia sequestra carbono por ser área úmida de floresta. O Parque da Lagoa do Peixe é úmido em si.
Eventual devastação em nome de falso "progresso" só acentuará estiagens como as atuais que assolam o Estado.
Na Capital, extensas sangas e riachos desciam do Morro Santo Antônio ao Partenon formando charcos, tal qual noutros pontos da cidade, mas foram soterradas pelo cimento armado. Sem elas, o ar piorou, pois esquecemos que banhado preservado é carbono sequestrado.
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"Cada vez mais, os vivos são guiados pelos mortos", dizia Auguste Comte, como está no frontispício do Templo Positivista, na Avenida João Pessoa. O exemplo do que foram em vida abre portas ao futuro.
Nesta semana, morreu no Rio de Janeiro o jornalista Jorge Miranda Jordão, que, em 1961, como diretor da antiga Última Hora de Porto Alegre, numa edição extra levou às ruas o Movimento da Legalidade pela posse do vice-presidente João Goulart, vetada pelos chefes militares. Guiada pelo governador Leonel Brizola, "a Legalidade" foi o último grande movimento de massas do Brasil e derrotou o golpe militar derivado da renúncia do presidente Jânio Quadros.
Sem a argúcia de Miranda Jordão, a mobilização não chegaria ao povo tão rápido, quando os minutos eram vitais para unir o Rio Grande contra o golpe. A seu lado, presenciei tudo e dou testemunho para que o exemplo perdure.