Viajo ao Rio de Janeiro, agora, e isto não seria tema a comentar se não fosse o que levo na mala. Terei de levar garrafas de água mineral, que passaram a ser escassas por lá, pois o que sai das torneiras não serve, sequer, para lavar os pés, menos ainda louça ou talher.
Na gíria, “mala” deixou de ser só aquilo em que amontoamos pertences e passou a significar, também, coisa pesada e ruim. Nunca, porém, fora “geladeira” ou recipiente d’água. Se a gíria persiste, minha mala de agora será, mesmo, “uma mala”…
Não tento ser inovador, só me resguardo. Na outrora “Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil e coração do meu Brasil”, em pleno verão chuvoso de lá, a água foi racionada nos supermercados. Por tratá-la como lixo, virou luxo.
Sujaram e poluíram os mananciais que abastecem a cidade e os transformaram em apodrecida lixeira. As algas (sinal de sujeira profunda) se apropriaram dos rios e o cheiro e a cor turva da geosmina chegaram às torneiras. A TV mostrou o horror que, agora, devo enfrentar.
Poucos anos atrás, São Paulo viveu algo similar, que pode reaparecer. Resolver o problema deve preocupar a todos, até quem (como nós, em Porto Alegre) viva abastecido de água razoável, mas que, tempos atrás, exalou horrível mau cheiro.
Era o sinal de início da poluição do Guaíba, mas só se discutiu se era “rio” ou “lago”, ignorando o essencial. Nada é mais terrível e maléfico do que a poluição das águas, mas, por ironia, se ignora no Rio Grande do Sul.
Dos rios que deságuam no Guaíba, o Sinos é lixeira dos curtumes há décadas e o Gravataí não lhe fica muito atrás. O pouco poluído Jacuí termina no delta que serve de “filtro natural” e, assim, “salva” a área metropolitana.
Mas, e se o Jacuí e seu delta forem invadidos por remanescentes de carvão mineral na exploração de uma mina à beira-rio, o que ocorrerá com o Guaíba? Bastará definir se é rio ou lago? Ou seremos “mala” em definitivo?
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O que é relevante nunca é repetitivo, tal qual sempre é tempo de falar dos mortos que foram marcantes em vida.
Assim, recordo hoje Ibsen Valls Pinheiro, que nos deixou há duas semanas e que conheci no Colégio Júlio de Castilhos, muito moço e já brilhante. Ele, então comunista, e eu, socialista, nos respeitávamos na divergência e nos reencontramos como jornalistas na antiga Última Hora.
Depois, ele foi vereador, logo deputado e, como presidente da Câmara Federal, conduziu o “impeachment” do presidente Collor, que não se consumaria sem Ibsen. Apaixonado por futebol, nem aí perdia a ironia crítica. Lembrava que o futebol era a única atividade que se analisava antes, durante e após efetivá-la (no treino, no jogo e depois dele) e, por isto, tinha mais adeptos do que a ciência.
Perder a ironia de suas frases é “uma mala”…