O direito à vida – e a viver em paz – não é, apenas, combater o bandido de rua e impedir a corrupção. O crime maior vai além e, às vezes, nem percebemos que é mais profundo até.
Agora, aqui no Estado, o direito a viver em paz das futuras gerações depende da Assembleia Legislativa. Só os deputados podem evitar que as alterações ao Código Estadual do Meio Ambiente –propostas pelo governador – degradem nossas terras, ares e águas. Nosso Código atual é modelo até no Exterior. Nasceu do consenso, em 9 anos de consultas e debates entre geólogos, biólogos, botânicos, agrônomos e empresários e virou lei em 2000.
O governador Leite quis alterá-lo em "urgência", sem debates no Legislativo. Recuou porque o Tribunal de Justiça atendeu ao pedido de deputados de diferentes partidos e demonstrou que contrariava a Constituição. Propostas em nome da "modernização", as modificações facilitam a degradação e são o oposto do que dizem ser. É o caso do "autolicenciamento", em que a própria empresa declara que o futuro empreendimento não afetará o meio ambiente.
Após a tragédia de Brumadinho, MG, é possível pensar assim?
Lá, dias antes do horror, a Cia. Vale (maior mineradora do país e segunda no mundo) garantia "normalidade total na mina". Se o equívoco (ou a falcatrua) ocorreu com empresa de porte, o que esperar de empreendedores menores, aqui?
Podem errar até na boa-fé.
A Fundação Estadual de Proteção Ambiental, Fepam, reúne técnicos de alta qualificação que jamais foram chamados a opinar sobre as mudanças ao Código.
Por que exclui-los? Preservar o meio ambiente é defender a vida na Terra, ameaçada pela falsa visão de "progresso", como vem alertando o papa Francisco.
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A mina de carvão a céu aberto, em banhados junto ao Jacuí, a 12 km de Porto Alegre e que, em 10 anos, pode tornar o Guaíba um rio morto, é o caso concreto de falso progresso.
"Hoje, lucros e perdas são mais valorizados do que vidas e mortes, mas o lucro de uma empresa não pode estar acima do valor infinito da nossa família humana", advertiu o Papa, reunido com ministros de Economia no Vaticano.
Será o Papa um enfadonho que insiste e repete por ser "chato"? Ou é guardião do futuro ao insistir no perigo dos combustíveis fósseis, como o carvão?
Nossos deputados não podem ignorar que as ameaças futuras começam hoje. Se a Assembleia é "a Casa do Povo", por que não ouvir o povo, convocando os especialistas?
O poder político não pode se omitir no perigo. O futuro se constrói com os atos de hoje, nunca do amanhã.
Escrevo do Rio de Janeiro e, assim, não pude perguntar ao governador na reunião-almoço da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresa, ADCE, em que expôs seus planos, dois dias atrás.
Fica a lição de casa a todos.