O povo chama de "enganação". Os eruditos, de simulação, mas tudo é um perigoso faz-de-conta em que a mentira tenta se apossar de nossas mentes como se verdade fosse.
Um exemplo: a mineradora Vale do Rio Doce é a maior empresa do país, superada apenas pela Petrobras. Mas, ao não assumir responsabilidades, nos impinge anel de lata como ouro...
A tragédia da mina de Brumadinho mostrou um crime gerado pelo desdém e pela ânsia de lucro fácil. Matou mais de 300 pessoas, esterilizou cultivos e degradou rios, exterminando flora, fauna e peixes. Agora, em minas vizinhas já desativadas, a lama ameaça Ouro Preto, Nova Lima e Barão de Cocais, em Minas Gerais.
Mas, a 1º de abril (no exato "dia da mentira"), a mineradora pagou anúncios de página inteira nos jornais do Sudeste para chamar a tragédia de "transtorno" e afirmou:
"Ciente dos transtornos causados pelos últimos acontecimentos (...), para atender à nova legislação e garantir a segurança da população, a Vale subiu para 'nível 3' o índice de quatro barragens inativas desde 2006". Logo, num primor de sarcasmo, arrematou: "A Vale pede desculpas pelos transtornos causados e agradece às autoridades pelo apoio prestado".
Chamar o horror de "transtorno" agride o idioma, a realidade e o bom senso. "Transtornar" é alterar ou atrapalhar a ordem das coisas. Só isto. O tal de 'nivel 3' é, apenas, treinar a população para sair da área nos desastres. É acostumá-la ao horror.
A maior mineradora do país traiu sua grandeza pondo no lixo a responsabilidade empresarial. Viu apenas lucro. A mineração é atividade perigosa e poluidora. Sem profunda e ampla responsabilidade vira catástrofe, como em Brumadinho.
Ou alguém crê que aquilo que a lama "matou" será substituído por terras e rios "novos", como os móveis da casa infestados de cupim?
Antes da tragédia, a mineradora tinha alterado os laudos que advertiam sobre o rompimento da barragem. Com "os papéis em dia", não havia perigo...
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Penso no que pode ocorrer aqui, em anos ou décadas, com a mina de carvão a céu aberto à beira do Jacuí, em Eldorado, a 12 quilômetros em linha reta da Capital, e que despejará os resíduos no rio.
A degradação das águas será lenta, mas real. Antes do fim dos 23 anos de vida útil da mina, o Jacuí levará ao Guaíba a pestilência ácida do minério. Em eventual rompimento da contenção dos demais resíduos (ou do carvão acumulado) os dois rios podem degradar-se em definitivo.
Beberemos refrigerante com banho de água mineral num inferno simulando higiene?