O crime tem muitas caras. Nos assassinos do menino Bernardo, tem rostos definidos, numa crueldade que foge ao racional e extrapola o crime em si. Pai que mata filho nunca foi pai. Só forneceu esperma à gestação.
Na escola de Suzano, em São Paulo, a morbidez dos videogames corrompeu dois jovens psicopatas drogados que mataram a esmo, sem saber sequer a quem matavam. O crime também se constrói aos poucos, à nossa vista, durante décadas, com aparência de "desenvolvimento", como no horror da mina de Brumadinho.
Mas, e a mina de carvão a céu aberto que a Copelmi quer explorar, agora, junto ao Jacuí, às portas da Capital, lançando os detritos ao rio??
Nos 23 anos de vida útil da mina, a barragem de rejeitos não expulsos chegará a 30 metros de altura e 66 metros de profundidade, revela a empresa no Relatório de Impacto Ambiental apresentado à Fepam. A cratera será, então, "um lago com área de 240 hectares de superfície inundada. A profundidade maior terá 66 metros, ao norte, e a mais rasa, 49 metros, ao sul. As bordas do lago final serão retaludadas (sic) para suavizar o declive. Esta medida vai aumentar a estabilidade geotécnica".
"Suavizar" o talude (a inclinação) não será admitir que a estabilidade geológica é insuficiente ou precária?
Junto à pretendida mina concentram-se as maiores plantações de arroz orgânico do Brasil, cultivadas por cooperativas ou por particulares. O terreno é úmido, de banhados. Cavam-se dois ou três metros e brota água como num poço profundo.
Que controle pode existir sobre a barragem de 30 metros de altura, num terreno assim? Ou num alagado de 240 hectares?
Em dezembro de 2018, os técnicos da Fepam pediram mais detalhes sobre esses e outros pontos. Mas, na mesma data, a então Secretaria do Meio Ambiente do governo Sartori deu-se por satisfeita e determinou a audiência pública de agora, março de 2019, em Charqueadas.
Brumadinho ainda não mostrara o horror das barragens soterrando tudo, esterilizando terras e águas, sepultando centenas na lama. A catástrofe não chegara à nossa retina. Não tínhamos percebido que o "filtro natural" do Delta do Jacuí será insuficiente e que até o Guaíba morrerá no eventual rompimento das barragens da mina.
A juíza federal Clarides Rahmeier aceitou o pedido da Agapan e duas outras ONGs e mandou suspender a reunião pública. Mas o presidente do TRF-4 manteve a reunião, pois as irregularidades podem "ser revistas e modificadas" noutras audiências públicas.