A tragédia da mina de Brumadinho não é, apenas, um espetáculo macabro mostrado pela TV. É um horror a evitar. A avalanche que mata e destrói tudo — pessoas, bichos, pássaros, terras e rios — e torna o ar irrespirável, não nasceu de supetão, como chuva ou tempestade.
Foi obra humana, gerada durante anos pela ambição do lucro fácil. As montanhas de resíduos acumulados em décadas tornaram-se perigosas aos poucos. Advertida, a mineradora mudou os laudos que apontavam o desastre. Com "os papéis em dia", tudo prosseguiu "normalmente", até o momento do horror.
Agora, aqui, às portas da Capital, entre Eldorado e Charqueadas, junto ao Rio Jacuí, uma mina a céu aberto vai extrair carvão mineral e jogar os resíduos na água. As sobras residuais formarão barragens que (revela a própria mineradora) chegarão a 30 metros de altura, similares às de Brumadinho. Mas, e quando se romperem??
Sem adivinhar ou ser mago, é fácil prever: os resíduos invadirão com fúria o Rio Jacuí, a 200 metros. De imediato, chegarão ao Delta do Jacuí, que funciona como filtro natural das águas que desembocam no Guaíba e abastecem a Capital. Esse filtro natural, porém, é insuficiente no caso de grandes massas tóxicas, como minerais.
Semanas atrás, abordei o tema, mas sem tocar num detalhe crucial, que a ex-conselheira do DMAE, Maria Elisa Dexheimer Silva, lembrou agora em carta ao jornal: a Capital vai depender cada vez mais das águas do Jacuí, devido ao provável "colapso" do Guaíba, em poucos anos, pela poluição dele próprio, do Caí, Sinos e Gravataí.
Por isto, o Parque Delta do Jacuí, criado em 1976 como Unidade de Conservação Integral, está protegido por um "plano de manejo" que busca preservar a Capital e outros cinco municípios — Canoas, Eldorado, Santa Rita, Charqueadas e Triunfo. Mas o "plano não foi sequer considerado no "estudo de impacto ambiental" apresentado à Fepam pela mineradora.
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Eis aí o grande desafio que o governador Eduardo Leite terá de enfrentar desde já, junto com o prefeito Nelson Marchezan e com os demais.
A mina a céu aberto afetará, ainda, a maior região produtora de arroz orgânico do Brasil, realizado por cooperativas e que depende de água. O deslocamento de ar dos estrondos afetará a fauna e pássaros e, até, o Aero Clube de Eldorado, notável escola de pilotos, próxima dali.
A tragédia que nos comove lá longe, não pode ser imitada aqui. Estamos, talvez, às portas de um Brumadinho gaúcho. O perigo mora ao lado e não percebemos.