O que dizer quando quem nos governa vê chifre de vaca em abóbora e ameaça guerrear?
A preservação da vida e da obra da Criação tem sido a preocupação fundamental do papa Francisco e, desde a encíclica Laudato Si', estendeu-se do catolicismo às igrejas luteranas tradicionais. A defesa do ambiente natural ganhou nova dimensão. Saltou dos discursos dos governantes à consciência dos indivíduos.
Agora, porém, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, está preocupado com o sínodo dos bispos da região amazônica, a realizar-se em outubro em Roma, e o considera uma afronta à soberania do Brasil e ao governo Bolsonaro. "Nós não damos palpite sobre o deserto de Saara ou o Alasca", disse o ministro, que foi comandante militar da Amazônia brasileira e, hoje, é a figura mais influente do governo. Além de general, ocupa o ministério sucessor do SNI, o Serviço Nacional de Informações, onipresente na ditadura.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Augusto Heleno disse que o governo está preocupado com o sínodo e pretende "neutralizar" as conclusões que dele surjam. "Vamos entrar fundo nisso", afirmou.
O sínodo dos bispos é uma reunião interna da Igreja Católica e, no caso da Amazônia, estudará o exuberante bioma que se estende por nove países sul-americanos e que vem sendo degradado pela mineração e pelo desmatamento, numa contínua poluição da maior bacia hidrográfica do planeta.
– Por que isso afronta o governo Bolsonaro, se a reunião foi convocada em 2017? – perguntou dom Evaristo Spengler, bispo de Marajó e um dos relatores do sínodo, junto a prelados da Colômbia, Peru, Equador, Venezuela e demais países.
Já na campanha eleitoral, Bolsonaro tratou os defensores do meio ambiente como adversários ou inimigos. Agora, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi ao extremo. Chamou Chico Mendes, símbolo mundial da defesa da floresta (assassinado a mando de grileiros e desmatadores), de "manipulador e grileiro". Atacou a quem não pode se defender.
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O candidato Bolsonaro recebeu apoio ostensivo das chamadas "novas igrejas pentecostais", sem considerá-lo intromissão no processo eleitoral. Agora, seu governo considera a preocupação dos católicos pela vida na Amazônia como "intromissão".
A alucinação de ver vaca com chifre em abóbora pode ser mais catastrófica do que todos os desastres que a cobiça irresponsável gerou nos últimos dias, de Brumadinho aos rapazes do Flamengo ou ao helicóptero que matou Ricardo Boechat.